MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.
AVENTURA EMBUENOS AIRES Quatro ou cinco anos depois da Guerra, estive a passear pela mui estimável cidade de Buenos Aires. Por haver contraído gripe e como fizesse frio e à noite garoasse, comprei um chapéu de feltro. Não houvesse comprado um chapéu de feltro, nada teria que fazer na Casa Gath & Chavez, naquele dia, naquela tarde, naquela hora. Pois saía eu justamente da Casa Gath & Chavez quando alguém me interceptou os passos e o tango que assobiava O assobio era eco da noite precedente e dizia respeito a lembranças agradabilíssimas. Agradabilíssi– mas. A pessoa interrompeu-me o tango com estas palavras ditas sob emoção: -:- Mi hijo! Mi hijito amado! Tratava-se de bela senhora que andaria pelos quarenta anos. Castanhos flutuavam os seus cabelos e branda ressoava a voz. Sabendo-se que sobre tal senhora cascateava fluente vestido; que sua epiderme inaugurava perfu– me de fechar-se os olhos para gozar melhor; que suas intenções eram inequivocamente afetuosas - é de imaginar-se a estupefação do moço de chapéu de feltro. As cores desertaram-lhe as faces, o coração desandou, calou-se a voz e a cabeça saiu a girar romanticamente pela Calle Florida. Mudo deixou ficar-se diante da tal senhora, que impunha uma presença de rainha Denunciava ser criatura afeita às fofices do luxo, o que se tomava patente considerando-se as jóias que ostentava nos dedos, colo, braços, orelhas e pelo ar animal de sossegada abastança, que certas mulheres evi– denciam mesmo a observadores distraídos. Ela desandou a falar, e falava celeremente (dourada voz!) explicando-se talvez, buscando diluir o constrangimento que causara. Mal pôde o inter– locutor perceber, mais por intuição, que ela o convidava a ir à sua casa 21
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