MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

OINVENTOR Um homem conheci no Baixo Amazonas, de quem tudo poderia dizer-se menos que não fosse imaginoso. Melo chamava-se ele. Antônio Melo? , Leandro, Francisco, José Melo? Não lhe guardei o prenome, faz tanto tempo! Poderia ter simplificado sua vida, pennitindo contaminar-se pelo monnaço municipal, conversa pelas esquinas, à porta da fannácia, o uso na rua da blusa de pijama e dos chinelos, galinha guisada à mesa do promotor. Capi– tulação seria e essa capitul~ção não iria consentir-se: era irrequieto, imagi– noso, singular. A si próprio prometeu enfrentar a monotonia local fazendo coisas. Que coisas? A viuvez e os proventos da aposentadoria não lhe davam cuidados de dinheiro. Dispunha de rede para donnir e de almoço farto para almoçar; jantava chá e frutas, e antes de recolher-se para dormir traçava meio litro de leite de uma vaca de suas relações. Proprietário era de cabeça descomunal, a mais descomunal, talvez, do mu– nicípio. Os amigos a ele aludiam: A Cabeça!, homenageando-lhe a inteli– gência, enquanto que os demais, e eram a maioria, não o conheciam por Melo e sim pelo óbvio apelido: "Cabeção". No espaçoso salão craniano não vicejavam idéias alpinas; mas a elas não podia negar-se o toque da originali– dade. Porque era homem de muitas artes. Lá um dia formigaram-lhe desejos de fabricar um queijo flamengo. Fabri– cou realmente o queijo flamengo, servindo-se justamente do leite da vaca referida. Não provei do queijo, mas é de acreditar que lhe houvesse saído das mãos queijo exemplar. De outra feita, teimou em construir um piano e piano de cauda. O projeto acabou resumindo-se a um de armário, porque não dispunha de espaço em casa para acomodar a cauda do inútil, para ele, instrumento, e inútil porque não sabia distinguir um dó de um fá A verdade é que planejou e executou o piano, que tanto lhe custou em esperas 17

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