MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

encargo pessoal da edição o também poeta João Cabral de Melo Neto, que achara, e achara bem, de usar os ócios da função consular compondo e imprimindo manualmente livros. Impávida era minha ingenuidade: - Veja lá, hein! Vou querer um exemplar doMafuá! Riu o poeta seu riso que muitas fotografias documentam, descobrindo a dentuça que os lábios mal escamoteavam. Nas minhas férias seguintes, indo ao Rio, telefonei-lhe como sempre fazia, para acertar dia e hora de visitá-lo. .,.. Ih, seu Haroldo, preciso falar com você. Pode chegar agora até aqui? Enfiei-me no primeiro táxi, que pouco depois me deixava na Avenida Beira-Mar - Avenida Beira-Mar, 406. Antes de apertar-me a mão foi logo anunciando: - Olhe, está aqui o seu exemplar doMafuá. Tenho dois de resto e um é o meu. O outro, venho sendo assediado por muita gente, mas resisti: não, este é de um amigo do Pará. , Um exemplar da edição princeps da Bíblia não me teria comunicado emo– ção maior. Corri a encomendar encadernação para o volume , couro ale– mão, modelo de elegância e sobriedade: na Casa Vallele. E por essa forma conto a história triste do livro que tive nas mãos somente por uns dias. Porque retornando logo depois ao Pará, julguei que egoísmo seria sonegar a leitura da raridade aos camaradas com quem praticava espé– cie de boêmia literária. Cometi a maior tolice da minha vida. Fulano passou para Beltrano, o qual passou para Sicrano, que adiante passou não se soube nunca mais a quem. Eu próprio nem chegara a ler o livro, folheara-o . Esta página de memória, tantos anos passados, tem preconcebida intenção: despertar remorsos na consciência do gatuno. Despertará? Enfim, quem nos dirá que o bigorrilhas, num rasgo olímpico, não acabe por devolver a prenda ao dono? Se for o caso de preferir conservar-se no anonimato (louvo-lhe o acanhamento) não terá importância, não, que para o esbulhado importa é o objeto da traquinagem e não o autor. Não considero impossí– vel (agarro-me às hipóteses) que alguém haja visto meu rico Mafuá em estante que não a minha Clamo por um indício. Pois até hoje não me livrei da esperança de retomá-lo ciumentamente nas mãos, para, então, nunca mais! / 1• vida vem me ensinando muitas cousas: entre elas, o conselho do pruden– te escritor português, que pendurou vistosamente na sua biblioteca esta advertência: "Livros só se emprestam aos bons amigos. E os bons amigos não tomam livros emprestados." 12

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