MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

HISTÓRIA DO MEU"MAFUA" Pelos meus dezenove, vinte anos, estabeleci camaradagem e depois firme amizade com um magro senhor de nome Manuel - para tudo logo dizer, Manuel Bandeira. A amizade deslumbrava o moço afoito de tomar-se lite– rato: ser literato era a sua meta e seria a sua ventura, nem lhe importando a feia palavra, das mais feias do dicionário - literato! Era eu menino ingê– nuo, magro também, encabuladíssimo. Nas minhas viagens ao Rio de Janeiro incluíam-se visitas ao Poeta, que morava num oitavo andar ,sobre um pátio imundo (dez anos de pátio) muito antes de tomar-se vizinho de um aeroporto (todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir). Habitando a intimidade de sua poesia, estimava poder visualizar também a intimidade doméstica do poeta, seus livros dispostos com limpeza, o Portinari emoldurado com cercadura pintada de branco, o torso de mulher, desenho de Anita Malfatti, a peque– na escrivaninha entulhada, os discos, a eletrola, o fichário da biblioteca, os miúdos objetos que rodeavam o artista e compunham seu clima particular. Lembro que uma tarde, distraidamente folheando alguns volumes tirados à sua estante, achei um de José Veríssimo, A Pesca na Amazônia, que me feriu a atenção por me parecer estranha matéria à área de suas leituras. Devo ter feito observação sobre a raridade da obra, que não tivera reedi– ção. Ele não hesitou. E sem permitir-me qualquer objeção, tomou o volu– me e escreveu dedicatória rápida transferindo-me a preciosidade bibliográ– fica. O episódio, aqui recordado sem empáfia, denota a afeição que o poeta nacional manifestava pelo deslumbrado leitor dos seus versos. Por essa época sucedeu fato de todo inesperado, que me enfunou o peito de alegria, curta alegria. Anunciavam os jornais, próximo lançamento em Barcelona, numa edição limitadíssima e fora do comércio, de coletânea de poemas de Manuel Bandeira - o seu Mafuá do Malungo. Atribuíra-se o 11

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