MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

A ENCOMENDA A encomenda era um pacote azul chegado por via aérea. Rompeu o barbante, inutilizou a fita plástica e ansiosa abriu a caixa Um anel de guardanapo, uma revista de palavras cruzadas, duas latas de azeito– nas. Meu Deus, que é isso? Um pincel de barba, três maçanetas de porta, um sabonete de cachorro, dois pacotes de macàrrão, um exemplar encader– nado do Estatuto dos Funcionários Públicos. Nem se refizera do pasmo quando se fez anunciar um homem calvo e de casaca. Beijou-lhe a mão, pediu~lhe mil desculpas: a viagem sofrera pequeno atraso. Zarparia o avião às 2h40m, escalando em São João de Porto Rico. Correu a arrumar as malas, mas os sapatos haviam desaparecido: a sapateira estava entulhada de relógios, de pulso, de algibeira, de parede, de todos os tamanhos. Santa Bárbara, eu enlouqueço! A tia irrompeu nua pela sala, os cabelos em pânico, carregando um dicionário. Gritava derramando lágrimas: "Isso acontece porque eu não tenho mãe! Isso acontece porque eu não tenho mãe!" De repente, mergulhou a casa em penumbra e a radiola começou a tocar uma ária muito triste. Do Parsifal? Então sucedeu a grande explosão universal. A cabeça doía, como se sobre ela tivesse desabado um muro, o fígado parece que ia desintegrar-se. Despertou com hálito grosso, tresan– dando a caju. A caju-amigo. 7

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