MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

AS VACAS NAO DESMAIAM As vacas não desmaiam. Pelo menos, nunca soube de vaca entrando em colapso periférico. Aliás, não me ocorreu consultar especialista na patolo– gia desses quadrúpedes, mas bem seguro estou de que me acabariam ener– vando as explanações t:ruditas, sem talvez iluminar o assunto. De resto, não deve importar se desmaiam as vacas, espirram as borboletas ou padecem de miopia os ornitorrincos australianos. Seria de inquietar se as vacas, a um acordo formal, se determinassem a sustar a elaboração do leite na usina das tetas. A privação do alimento estimável traria desconforto às crianças pri– meiramente, mas também às pessoas que costumam bebê-lo gelado e a breves goles, em geral no meio da madrugada. Cômico haveria de ser o espetáculo nos currais, as vacas, obstinadas, não consentindo na extração do belo suco com que cevam os bezerros. Seriam afagados, espichados, alisados os bicos frouxos, sem que uma gota ao menos pingasse do peito seco. Mas desmaiarem as vacas, desfalecerem as vacas, como senhoritas? As vacas não desmaiam. Desmaiar é ato de elegância, só compatível com as mulheres, que desfalecem como flor madura, tornando-se pálidas e até mais belas. As vacas podem desabar ao chão, pesadamente, vítimas ocasio– nais de enfarte, sei lá, ou assustadas se sensíveis forem, diante de espetácu– lo bruto que lhes suceda presenciar nos campos. A vaca desaba, não des– maia, que desmaiar demanda leveza, aptidã'o e garbo - específicos mereci– mentos das mocinhas sobretudo, às quais a natureza privou de segregarem o alimento para lactação em alta escala. De onde a evidência de que em certo sentido as esposas do boi sempre oferecem alguma primazia sobre as parceiras do homem, muito embora aquelas não constituam adequado re– cheio para maiôs, com o que não podem ilustrar a paisagem nas manhãs de ~ . Ao amigo que me instiga a discorrer sobre o arbitrário assunto, que estabe- 3

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