MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

palavra durante o resto da viagem. Por fim, eram os umcos passageiros, Bibas sempre à frente e Bulhão sempre atrás. Nessas condições, não teria sido possível nutrirem a camaradagem que sustentaram ao longo de anos, se não sucedesse de morarem a pouca distância na mesma rua Era quando desembarcavam do elétrico · que passavam a comerciar sua banalidades, depois de engolirem o chope mencionado, num barzinho de que eram também os fregueses derradeiros. Repetia-se o fato, em monocórdio com– passo, todas as noites. Foi num dia 12 de outubro (12 de outubro esse que Calves Bulhão jamais P.Squeceu) que Bibas embarcou no bonde para a sua última viagem, segun– do, pelo menos, é de supor. Acenou de longe, grunhiu seu boa-noite, instalou-se no lugar costumeiro e deixou ir-se, pegando no rosto a brisa fria. Apearam-se do bonde, beberam juntos o chope e tomaram o rumo de casa. Bulhão não pôde eliminar da lembrança este pormenor: Bibas mudo c.'.aminhava, visivelmente infeliz, enigmático. Imaginou o outro que se hou– vesse agastado com a frutinha silvestre e razoável achou não constrangê-lo a falar. Despediram-se quase secamente: "Boa noite, Bibas." "Bulhão, até amanhã" O amanhã não houve. Porque chegando a casa, Calves Bulhão fez sua toalete, meteu-se no pijama e na cama e empunhou o jornal do dia. Numa página interna, seu olhar colidiu em três ou quatro linhas publicando a morte repentina, em pleno expediente bancário, do contador Ignacio dos Santos Bibas. Verdadeiramente não saberei informar se terá sido a última viagem e o último chope de Ignacio dos Santos Bibas. Não sei. Certo é que foi o últi– mo passeio circular de Calves Bulhão. Duas vezes já lhe escutei essa história. Em ambas surpreendi-lhe palidez nas faces. E palidez nunca vi ninguém simular. 2

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