A Estrela do Norte 1864
Meu coração fechou no abysmo de um esquecimcntõ sagrado as confidencias se– cretas dessa alma sempre impetuosa e forte mas que cheia de um profundo arrependimento e de uma piedosa tris– teza, aspirava ardentemente a descansar na paz do Senhor. Direi sómente que Napoleão cumpriu esse grande dever com uma convicção firme e sincera, que elle muitas vezes me pediu que o ouvisse, desejando que nada poudesse ficar escon– dido nos caminhos da sua consciencia, o que emfim eu vi correr lagrimas de seus olhos no momento cm que de minha boc– ca sabiam as palavras sagradas pelas quaes Deos lavava sua alma de todas as suas antigas manchas. Levantando-se, lançou-se em meus braços, e apertando– me contra seu coração, elle me disse : - O' meu amigo l que beneficio im– menso me acabais de fazer I Deos me soccorreu em minha miseria ; mais que nunca posso vêr hoje a morte sem terror. Onde está tua victoria ? dir-lhe-hia, onde está o teu estimulo? En tretanto sua suúde declinaYa visivel– mente ; o mal que o devorava fazia pro– gressos, e seus solfrimentos tornavam-se mais agudos e mais dolorosos. Elle me havia pormittido Qie volal-o e tratal-o como um de seus se~ idores, e aí'hava-me a sós com elle durante longas horas, umas Nezes en tretendo-o das grandezn.s de Dcos e de sua bondade infinita, ou tras fazendo-lhe piedosas leituras, outras em– penhando-o a olferccer ao Senhor o calix que tinha ainda de soílrer neste mundo. Depois de um longo desfallecimento, tes– temunhou-me o dese io de receber os ultimas Sacramentos ; disse-lhe que tudo tinha prcvisto e tudo se achava prepara– do, e que estava munido de todas as au– torisaçõcs nrcc ·sarias. Cheio de alegria por essa noticia fixou para o dia seguifi– te a augusta ccremonia e pediu a dous de seus fieis companheiros de desterro que me assistissem. Um Altar foi le– van tado em segredo junto do Imperador; ahi celebrei o santo Sacriflcio, ao qual elle se jun tou de intenção com um res– peito cheio de ternura. Administrei-lh depois a Santa Unção, e •minhas fracas mãos lhe offereceram no mais adoravel dos mysterios, o Corpo e o Sangue do homem Deos. Napoleão havia recolhido todas as po– tencias de sua alma para receber digna– men~e o pão dos for tes. Nada era mais adm1ravel que a expressão do seu bello :osto ll.urantc_o santo extasis que seguiu a consummaçao do Sacrificio. AJoelharn o– nô~ lodos Jnnto de seu leito, rezando, louvando ao Senhor e abençoando-o de ter, mesmo neste mundo, mos trado ao illustre capti rn desterrado a verdadeira patria onde o esperava o Rei tlos Reis. Depois de alguns momentos de desc:m, o elle experimentou u m conforto indefiní– vel, uma doce paz, uma alegria que elle chamaYa celeste; porém sentindo sua força diminuir, o comprehendendo que sua exislencia não seria long·a, quiz tt,1· comigo um ultimo entretenimento. Foi então que depois de ter-me feito muitas recommendações, que todas fiel– mente cumpri, clle me pediu que orasse e fizesse orar pelo descanso de sua alma, e das numero as victimas de sua polilica guerreira. - Ah 1 repetia elle muitas vezes, amei muito u guerra e a gloria das armas; minha ambiçilo foi sem limites. É Yer<lade que eu queria a França poderosa e forte; queria anniquilar uma nação rival , qne será eternamente sua inimiga ; porém, hoje comprehendo que haviam outros meios de alcançar esse fim glorioso. Eu morro pensando em um grande crime comruettido em meu nome, nos ultrages feito a esse santo velho do r,oma, e nns desgraça:, de um povo. cuja confiança foi violentamen te trahida; que meus amigos, que meu filho, saibam u m dia por vós que eu daria mil vielas para resgatar es– tas crueis lcmliranras. Possa o Senhor, aceitar a amargura de meus pczares ; elle só conhece o coraçilo dos homens reves– tidos do poder supremo, e dos l\linistros de sua autoridade; Elle só póde julgar com ,justiça o que o mundo chama seus crimes ou suas virturles. Escrevem aqui os annaes de meu reinado, juntai nelleti, meu amigo, « que Napoleão moribundo nilo era mais que um humilde christão. " Depois destas palavras a cabeça come– çou a perturbar-se; chamei seus officia s e sous creados ; 06 soccotTOS da arte ha– viam-se tomado inuteis ; a agonia co– meçasa. 1.ma foi doce, sem tenores, nem aftlicções. Em quauto o · amigo<; lacr y– mosos o considerrwam em tri ·te silencio, de joelhos eu r ecitaYa as ultimas orações por essa gr:andc alma que ia deixar u involucro ti?rrcstre ; no momento cm qnu pronuncia rn a invocação solemnc: - << parli, alma christii, n voltei os olhos par:i e ros to do moridundo, e pareceu– me que lhe ouvi murmurar es tas pala– vras : , - Deos, protegei a França I SPnh(?l' protegei men filho l senhor, tende pie- dade!.. . ... . d . 1 Napoleão linha term1t1a o sua YH a mari al.
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