AZEVEDO, J. Lúcio de. Épocas de Portugal económico: esboços de história. 2. ed. Lisboa, Portugal: Livraria Clássica, 1947. 478 p.

156 fPOCAS DE PORTUGAL ECONóMICO História Trágico-Marítima compõem a epopeia trágica da aventura. Neles os humildes deixaram o relato de seus padecimentos e miséria. _Nas ocasiões de perigo não foi raro salvarem-se os oficia-is e fidalgos no batel, abrigo estreito, e único .de que em geral dispunham os navios, abandonando à sua sorte os companheiros de inferior con– dição (1). Estes acei ta·vam com docilidade o seu destino -funesto. Exclusivamente dos naufrágios, nas viagens normais, grande número de passageiros sucumbiam às privações e doenças no transporte para a fndia. Em u1;11a nau de 800 toneladas embarcavam, tripulação, soldados e fun– cionários, novecentas pessoas, às vezes mais. Imagine-se o aperto, a carência de asseio, a desordem. Com frequên– •cia escasseavam os mantimentos, acabava a aguada. O escorbuto, e moléstias contagiosas levadas de terra em terra, dizimavam a população a bordo.Todas as narrativas de viajantes são nisso concordes. Em I 585, Filipe Sas– .setti, que já sabemos esteve na fndia algum tempo, e lá morreu, escrevia a certo amigo: - «Todos os anos de Portugal saem 2.500 a 3.000 homens e rapazes; gente perdida e da- pior que. pode haver; deles se deita ao mar a quarta e a terça-parte, às vezes a metade» (2). Cerca de trinta anos mais tarde, o francês Pyrard dizia em suas (1) Assim por exemplo na perda da nau Santiago, como Diogo .do Couto refere na Vida de D. Paulo de Lima: - «E ficando o batel em bom estado se foi pôr por popa da nau, para tomar pela varanda as mulheres que ali iam, os frades e os homens fidalgos». (Cap. 23.º). O s que tiveram de ficar a bordo pereceram todos. E cruel foi o caso - de uma passageira, D. Joana de M endonça, que deixando uma filhinha em braços da ama, para lha passar depois, a nenhuns rogos conseguiu isso dela, porque se queria salvar também e a não recebiam n0 batel. (2) A Pedro Vittori, 27 de Janeiro de 1585, Cartas, p. 280. .

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