MARANHÃO, Haroldo. Chapéu de três bicos. Rio de Janeiro: Estrela, [1980]. 43 p.

ce me acerLou justamente no calcanhar nu, irradiando descarga elétrica até a nuca: a perna perdeu o comando e foi afastada com rudez, voltaram-me o peito para cima, en- quanto me desferiam pancada no que me desacordou. escroto, Despertei; um jorro espalhado na ca ra com violência, bofetada líquida. Propri amente não despertei, que despertar é acen derem-se os sentidos como se acionados por interruptor. Entreabri mal os olhos: bas- tante inchados; não era sono, e vigília não era, mas estado pastoso, pós-comatoso, difuso, dolorido, um não saber onde se es tá, se é dia, se e noite, se é domingo, se houve terremoto na c idade , no mundo, o que houve, um lembrar-se de absurdos, se o tin tureiro entregou a calça de gabardine, se mandei colocar, mandei?, não mandei?, meia sola no sapato de camurça, se hoje haveria aula de química, ainda estudo química?, es tudo?, química? Novamente me vi num clima de anestesia, minutos, horas, dias? E len to comecei a definir, na boca, o gosto: de urina e merda. Isto me acordou plenamenm, como se me puxassem com força as orelhas ou me metessem aceso um charuto no cu. Não podia mover-me, creio que apresentava fra- 11.J

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0