CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

a senhorita conhece a Holanda?" "Não, infelizmente", en– compridava os olhos, uma pena, exagerava os olhos, pu– nha-lhes um dengo, uma falsa doçura, ele tomou como um cumprimento, encheu-se de vento: "E por que não vamos?" - já se fazia convidativo, já se insinuava, poli– damente, mas tão homem, isto não é decente, que me importa, vou fazer amizade com ele, vou pegar-lhe a carona de volta: "Onde fica Breda, M. Frank? É longe de Ams– terdam?" "Mas não, duas horas se muito. Eu a levarei, claro!" Quando deu fé já se engajara naquilo. O holandês, ainda bem que era formal como todo, mas notava-se nos seus olhos, seu bigode, uma vaidade, um ar de proprietário, quando a convidava ao café no bar da Aliança, no intervalo das aulas, das conferências. E. Franca, num deboche: "Mas olha aqui, Angela, com tanto Botticelli dando sopa, você se passa pra esse encarnado curto e grosso, bigode de cenoura?" Angela nem se defendia, dava risada: "Ora vai-te." Uma intimidade tranqüila havia entre elas, e aquilo seria outra marca desse verão parisiense. Não só Peter, seu sofrido amor, Laura e os do hotel, personagens doentias (a única viva e de sangue era Bete), não só esses, mas Franca e a indiana, a iugoslava, a vivência nova e boa, suas risadas e cantigas ecoando, cada grupo ensinando as do seu pais, os árabes, numerosos e bulhentos, os russos, os italianos, do Brasil somente Angela. Mas nos passeios, o coordenador instigava-a, impunha-lhe o microfone: "Sa– bemos que as do seu país são as mais belas, cante uma, ao menos uma." Todos bradavam: "orfeô negrô, orfeô negrô", ela empurrada, excusando-se, Franca: "Vai, sua boba, vai logo." Peter me visse cantando para uma mul– tidão, bom que ele visse, soubesse que ela poderia experi– mentar outras alegrias fora daquele amor, mas nem aqui ele me larga, nem ali podia se proibir este pensar, o secreto voto impossível: se ele estivesse aqui, que poder! E nunca mais o veria, o que de melhor já lhe acontecera na vida, aquele arrebatamento (com Fausto jamais fora assim), tudo era findo, e para sempre? "Manhã tão bonita manhã - começava, voz trêmula - de um dia feliz que chegou/o sol no céu surgiu/ em cada cor brilhou ... ", como posso cantar, é para ele que eu canto, para ele cantei isto no quarto, às insistências de Betsabete. Mas todos aplaudiam, o ônibus era uma 96

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