CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

ditava tal episódio o último e tudo consumado, de repente surgia um novo. Mas nessa hora Angela não desconfiava de que a série prosseguiria. Só em Paris, dois finais: o do Luxemburgo, Verlaine por testemunha, e no mesmo dia não voltou correndo, subindo os degraus de três em três, nem parecia um doente? E o do trem. Fosse o do perdão, que escrevesse as cartas e não o outro, cercado de guardas, de anjos, de vigias. A carta era longa, certamente passara horas rumi– nando aquelas coisas. Bonito o que dizia da sua terra, toda em verdes, no verão. As tulipas haviam passado, mas os campos eram aquela beleza. Estava trabalhando numa paróquia próxima a Deurne, com uns escoteiros. Nas pri– meiras páginas, só falava de sua vida lá (na viagem não tocou), cheia, já (bendita hora em que me meti no Está– gio), ela excluída de suas alegrias, casa dele em festa, pelo verão, pela presença do filho amado e doente - então deveriam fingir todos, fingir que não o sabiam perdido. Peter mencionava novos médicos: Irei a Amsterdam ainda nestas férias, preciso ouvir a conclusão de uma junta, para que os superiores me deixem partir. Mas eram uns crimi– nosos, não estava condenado? Outros médicos, uma junta. E de nosso amor, não diz uma palavra? Percorria avida– mente a carta, passava pelas tulipas ausentes, o sol nos moinhos, ao diabo o sol nos moinhos, ao diabo as tantas alegrias de que era excluída, ao diabo, ia devorando pá– ginas, catando a única palavra que a interessava deveras, alegrias de Peter longe dela faziam-lhe mal, mas que é isso, não é um sinal de que está bem, talvez recupere a saúde, um sinal, a vitalidade repentina, a carta era uma euforia, a primeira parte. Depois, o padre. Sua atuação junto aos escoteiros, excursões com eles, acampamentos - doente, como é que podia?, dias e noites ao relento, chuvas de verão, ele relatava, "molhado até os ossos, mas não tive nada, voltei ótimo". A dor, não falava na dor?, ter– -se-ia operado um prodígio, ah, está aqui: "A dor continua, mas tenho a vida cheia destas férias, um trabalho diferente, dela não me ocupo muito." Então sofria sempre. Sofria e quase nem se queixava, isso era Peter. Ela às vezes sur– preendia-lhe um ricto nos lugares mais inusitados, no teatro, seu rosto se crispava, a intervalos, mas ele disfar– çava, era o seu cilício. Mas esse homem não terá uma palavra para mim, para nós dois? Só lhe falava de coisas 89

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0