CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
os minutos eram curtos, aulas a bem dizer encarrilhadas. Num desses intervalos conheceu Franca, a italiana da Pe– rúgia, e Mima, a iugoslava, e Paulina, do Paquistão. Elas foram a seiva nova, os pilares do estágio, dizia o professor Lanson. Psicolingüística. Fonética. Esta, mais uma aula de doçura. A professora ensinava as nuances do falar parisiense como quem ensina música. Elas pasmavam, que coisa, Fonética, você imaginava fosse assim essa be– leza? Era uma senhora de alvos cabelos, olhos de menina azuis, azuis, maliciosos, cândidos. E os duzentos profes– sores elegeram-na a sua Madrinha. Esperava-se a aula de Fonética como uma merenda, um trecho de jardim com música. A sala de teatro perdia suas sombrias paredes, era a hora da Fada Madrinha. De tarde, estagiavam nas classes., ou reuniam-se em grupos de trabalho. Depois do almoço, numa salinha im– provisada em foyer, uma conversinha, um cigarro, um dis– co. Mas as noites eram deles, dos estagiários famintos de Paris. Muitos - maioria - a primeira vez que ali vinham. Doía-lhes o encarceramento o dia inteiro, desfor– ravam-se nas noites. Por isso retardatários e estremunha– dos, e a primeira aula era mais um castigo. Foi na segunda semana do Estágio que chegou a pri– meira carta de Peter. Betsabete tirou-a do seio, e lhe deu, sem uma palavra, só espreitando-a com olhos severos: "Toma, é da mBrda do teu padre", diziam os olhos azuis, ferozes. Pudesse, teria picado a carta em pedacinhos, jo– gado na privada, puxado a descarga em cima, pudesse - mas não era dessas deslealdades. Deu-lhe a carta com olhos censurantes, o queixo duro, sem qualquer piedade. Angela se fechou no quarto. Sentou-se na cama ainda desfeita (Bete nos andares inferiores). Eram muitas pá– ginas, isso já lhe dilatou o peito opresso. Sim, porque padecendo a maior saudade, o maior desejo de ir-se atrás dele (só não fora pelo medo de voltar humilhada, derro– tada), desejava e temia as cartas de Peter - os dois lados de Peter, um desses é quem ditaria as cartas, receava não fosse o Peter do raro abandono, o que não a podia ver sofrendo, o que a amara num momento e soluçara feito um menino no seu colo - mas o outro, o que impunha distâncias. Ainda iria conhecer um terceiro Peter, nesses dias não suspeitava, isso viria depois. História desse amor condenado era um destino folhetinesco, quando se acre- 88
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