CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

.. O dia era duro. As oito, ela já descia do ônibus em frente ao St. Placide (o seu café). Evitara, desde os pri– meiros tempos de Paris, os concorridos cafés do Quartier Latin. Quando na Sorbonne, freqüentava vez por outra o L'Eschol1er, mas de passagem, onde engolia, correndo, um leite com suco de romã, e se enfurnava, à toda, nos som– brios corredores da Universidade. Terminados os Cursos de Civilização e Fonética, sua vida penderia mais para o Bulevar Raspail, o Montparnasse, o Luxemburgo, a Aliança Francesa. No Estágio. Primeira aula, Psicolingüística, todos mui– to sonolentos ainda. Essa hora, no salão do teatro, era a do heroísmo, diziam os professores. O St. Placide, no ca– minho. Sentava-se na "sua" mesinha, ao fundo, o garçom já nem perguntava, era um café-creme e uma tartine. Curioso como tal lugar, sempre repleto, tranqüilizava-a. Vozes, risos, gentes do quarteirão, operários, professores, estudantes. Nestes dias, mais operários, donos de mercea– ria, sapatarias, o comércio da Rua de Rennes, da Notre Dame des Champs, ângulo com a Rua de Vaugirard. Bom escutar retalhos de conversa, cada dia. Havia uma mulher alta e ossuda, mãos gastas, amiga de rir um tanto desbra– gado, piadas fortes com o patrão. Pescoço veiudo e quei– mado - deve ser como o de uma Betsabete o seu trabalho, lavar chão, bater tapetes, lavar banheiros, encerar, desses suores, desses cansaços seria feita a sua vida. Ali, de pé no balcão de zinco, tomava a xícara de café fervente, en– golia uma tartine, trocava pilhérias com os garçons. Um dia sumiu. Levou bem uma semana sem aparecer. Surgiu toda de preto, mais ossuda, e falando baixo, relatando tristezas, em voz morna, ao patrão, seu amigo, que sacudia a cabeça, ouvia um bocado, apertava o botão da registra– dora, dava um berro com um garçom, mudava de máscara, tornava a escutar a de preto, a abanar a cabeça, sim se– nhor, sim, senhor, serviu-lhe o café ele próprio, sério, "é isso mesmo, é isso mesmo", Angela se perguntava quem morreu dela, marido? filho? mãe? Nunca o soube. O St. Placide. Depois da ida de Peter passou a ir ali com maior freqüência, mesmo por f.orça do Estágio. Foi lá que res– pondeu a primeira carta dele. O Estágio fervia. Começava sonolento. Mas já às 10, no primeiro intervalo, as coisas se animavam, todos acorriam ·ao cafezinho ali mesmo, no bar ·da Aliança, que 87

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