CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
selle é brasileira, eu sou filho de Portugal, dois mundos, mas o idioma é o mesmo, por isso somos amigos" - aquilo derretia a frieza dos que comiam calados, José punha abaixo as sebes em que cada um se fechara, já se riam, e, de seu parco francês, um fiozinho de conversa se desenrolava, perguntas cordiais sobre Portugal e Brasil, como era o Brasil? Mariângela calou-se, curvou-se sobre o prato, lembrança de Fausto aqui, agora, não, que ela trazia o peito cheio de dor por Peter, Peter no trem, de conversa animada com o outro padre, ela cada vez mais distante, ou não? De súbito, a tristeza, a tristeza já se abatia sobre ela, memória de outro almoço, aquela mesa, do profes– sorado, Cheng, Peter e Laura, ah, depressa para casa, para Laura, impossível não lhe viesse dela um salvamento, o riso, seu riso e sua irreverência, histórias que decerto tem para me alegrar, era apanhá-la ainda em casa, con– tanto que não tenha saído, não suporto mais isto aqui. Saiu, voou até à Rua de Rennes, tomara não demore o 48, seu ônibus. O St. Placide em frente, terrasse plena, e o "Trai-d'Union" também, turistas, turistas, na parada um casal tomou-a por alguém da cidade: "Um restaurante, please, não muito caro", indicou o "Roger-la-Frite", em frente à gare do Montparnasse, ou o da Aliança, lá se vem o 48, ainda bem. O hotel. O elevador. Vai subindo e, ao passar pelo 3.0, Betsabete dá-lhe um brado, lá de dentro de um dos quar– tos: "Bom dia, Angela, ton curé já se foi? Ora graças." Bete, cala essa boca, é lesa, meu Deus, mas é disso que eu preciso, de me aturdir. "Bete, Laura saiu?" "Quê!, essa farreou como de costume, essa não é burra, ela ronca/' Meteu a chave com cuidado, o quarto era uma noite, que que vim fazer aqui? Não posso nem ler - lembrou-se do livro que o velho lhe queria dar, mas a outra já se remexe na cama, abre um olho: "Bichinha? Que horas são? Me vê que tempo está fazendo aí fora." "Está sol, está bonito, Laura." Laura vai acordando, vai encarando melhor a amiga, a voz pastosa: "Então minha preta, estás muito arrasada?" - ficou-se a mirá-la de banda, com certo interesse, uma amizade?, uma luz de ternura?, ou apenas curiosa? (sem– pre é bom ver uma face transtornada, sempre nos traz algo um rosto carregado de emoção qualquer, alegria ou desespero), Mariângela pressente nela alguma coisa, mas 75
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