CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
Não, fica com tuas ilusões, eu com eles liquidei tudo - francês só no cinema, e olhe lá." Mariângela repensa essas coisas entrando no restau– rante da Aliança. Pouquíssima gente, maioria estudantes, mas uma outra raça de estrangeiros, turistas. Descobrem logo o restaurante do Bulevar Raspail, onde se come razoa– velmente por alguns francos. Julho, agosto, Paris vazia de parisienses, mas infestada por outra fauna, a língua ·que se ouve nas ruas, nos ônibus, no metrô, nos cafés (os que permanecem abertos, pois numerosos fecharam para férias, como os teatros) é o inglês, alemão, espanhol, português. É outra cidade, até isso vai ser duro de enfrentar, é como se Peter me deixasse num outro lugar que não o cenário de nossos dias. Apanhou sua bandeja, o pão, o iaurte, o refrigerante, escolheu ao acaso a comida (salsichão com feijão branco, nem gosta disso, poderia ter pedido outra coisa, mas não tem fome, real, se bem que lhe doa o estômago). O portu– guesinho garçom (um universitário das Artes Decorativas) que sempre a servia, lá veio a parolar. José. "Mademoiselle está triste, é verdade, a casa deserta - quem me dera também ir um pouco ao campo." Mas os professores do Estágio iam chegar, "isto já se vai encher de vida, verá". Ia e vinha, com os demais, fiscalizando, vendo onde faltava água, pão. Não, José, não é a casa, sou eu que estou um trapo, por isso essas salas, e toda Paris, as próprias árvores do meu bulevar, tudo me pesa. Entretanto, o Luxemburgo deve estar um esplendor, tudo menos esse jardim, teste– munha dos albores - Laura daria uma gargalhada se ouvisse o "albores", o cenário, o berço, os vagidos, que horror, até burra este amor me faz, vou achar a palavra, tenho de achar, o Luxemburgo, como uma imagem surrada e cretina pode enxovalhar com um sentimento, estava a ponto de rir, José vem com a cesta de pães, José engordador das gentes, ela o chamava. "Agora, sim, Mademoiselle está com outro ar (falava baixo, confidencial, não tanto que não o ouvisse a mesa toda, falavam em português, donos daquele segredo, e todos os demais, os árabes, os alemães, os suecos, turistas-estudantes, viciados em cursos de férias em Paris, olhavam-nos num certo espanto, que língua é essa? José, superior, respondia à muda indagação: "Estamos falando português, é a nossa língua, Mademoi- 74
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