CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

Laura observasse a fisionomia dos franceses · de rua, uns atormentados, a maioria. "Olha a Betsabete, essa é bem um símbolo. Agressiva, brutal mesmo, língua pronta ao desaforo - mas visse a crueza de sua vida, pode lá alguém viver em risos quando se passa o dia todo no maior suor para sustentar um filho homem e doente?" Mariângela amava os do seu quarteirão. Tal qual a vida no Rio. As gentes a princípio mantiveram com ela o estritamente comercial. Ia buscar o seu pão, as frutas, um doce, um tubo de linha, um pote de creme, um sabonete: "Obrigado, senhorita, até logo, senhorita", era tudo. Com o tempo foram se abrindo, se entregando, agora é como se fora aquele pedaço da Paula Freitas, as conversas, reta– lhos da vida deles que já se espichavam, racontando. Laura precisava viver mais no dia a dia, olhar Paris, sentir Paris, não a do Crayse Horse; a dos sapateiros-remendões, da doceira da esquina da Falguiêre, dos merceeiros argeli– nos ali, juntinho ao hotel. Certo, havia os intragáveis, mas isso existe em toda parte. Gente é gente. Angela nunéa pôde simpatizar com a moça do bar do meio do quarteirão, e a própria patroa do hotel, mulher dura, o modo como tratava o marido, punha uma distância, mas havia tantos outros tão simples e humanos como os do seu Rio de Janeiro. A diferença era talvez na "entrega", no tempo da entrega. Não tinha a camaradagem inicial do brasileiro. Com o tempo é que os foi descascando, agora, até confi– dências lhe faziam, tal como nas ruas onde morara na Tijuca, no Grajaú, e agora, em Copacabana. - Sim, vá lá, descascando-os, como tu dizes, se acha o palmito, o mel que cada um tem consigo. Isso tu, que amas cheirar gente, que vives de escutar gentes, isso pra você é fácil. Eu não, não posso. Laura se isolava,- era uma paulista de quatrocentos anos - onde a porta? Podem ser humanos como os nossos, os do povo, a merceeira, a doceira, e mesmo a megera do bar, o velho chifrudo - mas os homens, falo dos famosos coureurs, onde? Eu sou um bicho? Pois bem, para eles não valho um peido dum gato. Havia sido apresentada a uns quantos. Não passava de um drinque, "ou são encapados, ou veados, homens é que não, é tudo uma podrura". E o arzinho superior que a enfurecia. "Superiores em quê? Em macheza, não; beleza, muito menos; altura? Têm um certo chique no vestir, mas até nisso perdem para os ingleses. 73

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