CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

curso 0m Paris, aprendeu - o que foi mesmo o curso? Cuidar àe rapazes handicapés, veja só, especializou-se em cuidar de moços sãos da mente, mas com desvantagens físicas, manetas, pernetas, Angela nunca ouviu falar nessa escola, Paris é dessas descobertas. Mas não quero escutar o que estão falando, excluída do diálogo, Mariângela vol– ta-se para a plataforma, o casal, a moça gordota e baixi– nha, o inglês ~ tem de ser inglês - com o disco na mão, "Ma Vie" - já está inventando um romance, a canção entre os dois, um elo, mas tão comedidos, seu amor não é proibido, aquilo deve ser um breve adeus: "Leonard, tu me escreverás logo, assim que chegues lá" - ele se chama., Leonard, é altíssimo, sarará, não é belo, nariz à Cirano, e se chama Leonard, Angela não vai esquecer esse homem que nem sequer a viu, só porque é presente nessa hora, hora em que Peter se vai para sempre, e nem parece mais se dar conta disso, já com um pé no futuro, já na Africa, maldição, o padre negro entrar justamente neste carro, nesta cabine, então até seus derradeiros instantes esta– vam condenados? Nem um adeus lhes era concedido? Tão diverso do outro trem, em que foram a Versalhes. Tomara isto já passe, não agüento mais. Peter se volta para ela, que está com o rosto colado à vidraça, olhando o inglês mais a baixinha, estranho par: "Angela, desculpe, encon– trei um colega" - ela o olhou numa censura, até os mi– nutinhos finais não eram deles, deles fora a hora do mila– gre, na véspera, mas essa passou, ela nem se apercebeu, agora é tarde. Nem podem falar senão trivialidades. O outro padre saiu - deve ter notado que os perturbava, desceu a comprar jornais. Peter, tomara esse trem já saia, eu estar no meu quarto, não, lá não, Laura dorme, e é tudo escuro, as cortinas corridas fazem noite em pleno meio-dia, Laura depois da noite com o italiano, não contará com ela, com ninguém para a acudir, talvez Betsabete, ou o velho que a levaria a uma sessão espírita ou a alguma estranha igreja oculta, descobridor de ritos, sabia todas as missas, as árabes, as ortodoxas, e até as negras. Prometia– -lhe mundos e fundos: "Mademoiselle estará aqui nas festas da Liberação?, vamos sair juntos, nós dois, aí sim, vai ver esta cidade como nunca imaginou." Cada dia lhe vinha com um detalhe: "Olhe, sabe o que disse o General De Gaulle? Que vai ser coisa para ninguém botar defeito." Baixava a voz, como se transmitisse um segredo de Estado, 68

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