CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
J ele repete, fixando seus olhos ainda incrédulos, tenho de transmitir-lhe isto - é tudo o que lhe posso dar, isto lhe devo, é o mínimo que lhe devo." (Jesus, que fiz eu deste homem?, que fiz eu de nós dois?, termos criado o milagre, e tudo desmanchei com minhas mãos, o que mais desejei, que ele me amasse, fôssemos um só, por um dia, um dia para toda a vida, e o mandei embora - como não vi que ele também já fora tocado do milagre, como não vi?, ou vi, senti, inconsciente, senti, mas por que, em nome do céu, por que pedi-lhe a bênção?) Cem anos que viva, ela reme– morará, tentará recriar na mente, minuto por minuto, a cena, a despedida, o décor, a cama, a cadeira onde ele estava, o armário, a mesinha com seus livros, a cortina separando o quarto da banheira antediluviana, a janela para o bulevar - da janela, se curvando bem para a direita, a gente via a flecha pontuda de Notre Dame - tentará sempre reconstituir cada segundo, o vento agitando a cortina, o tapete cinza, o prato com pêssegos, que mais? que mais?, não perder um só detalhe da hora do eterno, a hora do prodígio, em que Peter foi seu, total, escravo, e ela não o soube. Ela o enxotou: "Dê-me a bênção." Ele a olhou por entre lágrimas, ergueu-se branco, branco, ela era uma condenada, no minuto extremo, sentada na cama, a cabeça tombada, ele de pé, lívido, mas de pé, a voz segu– rando um soluço, a mão tremia sobre os cabelos dela: "A bênção do Senhor Todo Poderoso desça sobre ti e perma– neça contigo para sempre. Amém." Sentença de morte contra o seu amor, de morte ou de Vida? Matei nosso filho, este milagre que criamos dia a dia, milagre deste verão em Paris, amor nascido de solidão debaixo das árvores do Luxemburgo, ao tenro sol daquelas manhãs, matei, ontem à noite. Ele lê tudo isso nos seus olhos. "Mas não, Angela, você não entende que superou a si mesma, que você naquele minuto atingiu uma dimensão quase além do humano?" Que que ele está dizendo? "Peter, nós matamos nosso amor, só isto que eu sei." "Mas não, Angela, você não percebe que ele é agora maior que dantes?, que não acabará mais, que tem agora uma parte de divino?" Ah, só um cansaço enorme, tomara esse trem já par– tisse, esse momento já pertencesse a um outro tempo, ela só sente é uma frustração, Peter não consegue transmitir– -lhe nada mais que uma imensa frustração. Entretanto, a 66
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