CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
\ tirou os óculos, desceu bem ao fundo do olhar azul, ele muito sério, já calmo, a tormenta fora na véspera, fora: um minuto só, mas, Deus te abençoe, Peter, a ti que agora tens a coragem de dizer tudo, sem pudor, sem vexame de qualidade, um homem, apenas um homem-amante. "Eu não achava meio para sair daquele quarto, Mariângela, foi você quem me deu forças - porque eu ia ficar, adeus Africa, adeus Deurne, adeus tudo, só você me importava - e não tinha ânimo de me arrancar dali, sabia que a única maneira de fugir era pela bênção, queria abençoá-la como padre, lutei por isso, mas não pude, sozinho eu não pude - agora sei: Se desci ontem aquelas escadas, se hoje estou aqui, neste trem, se vou para a Africa, se pros– sigo no meu propósito anterior - devo-o a você. Foi você (não lhe dizia que de nós dois você sempre foi a mais forte?) - de nós dois, você é quem comanda. Você, em prantos, você me amando, você só no mundo, com a morte na alma, ao invés de me guardar, me atrair para o seu peito, para os seus beijos, para tudo o que nunca tivemos e não teremos, jamais, tudo aquilo que perdemos para sempre, todo este amor que eu ignoro - você teve a força de pedir-me a bênção - você e não eu, restabeleceu a ponte entre nós dois, e me revestiu de Padre, quando eu era só um amante, com toda a força do meu amor primeiro. Nunca vou achar ninguém como você" - ele sacudia bran– damente a cabeça, um ar de nunca mais, de eterna despe– dida, que tristeza saber disto agora, ela nem tinha certeza se era delicioso ou cruel saber só agora, quando tudo era findo. "Eu era só um homem, agora sei do poder do amor, sei que contra ele ninguém tem defesas - e passei a noite inteira, menti, não foram as dores que me mantiveram em vigília, às dores já me habituei - passei as horas todas desta noite maravilhado e tonto, rezando perante a revela– ção, Angela." Agora apertava-lhe as mãos, seu olhar doce e quente, então descobriu o que poderia ter sido, sentira a voragem, o fogo o invadira, estivera à sua mercê, e o man– dou embora: "Donn~z-rrwi la bénédiction" - que ela bra– dara em pranto, estúpida, cega pelo próprio desespero, e tendo chegado ao máximo a que alguém pode atingir de desgosto - pedira-lhe clemência - foi por isso, para pôr fim àquele horror, a bênção, não viu o inferno dele, não pressentiu que ele também já era presa, e mais que ela, do abismo inefável. Que coisa, que coisa. "Sim, Angela, 65
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