CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

o campo, mas tem de ficar para aquecer a água do hotel e dar de comer ao gato)." Chegou adiantada à estação, sempre foi assim, isto é bem dela, chegar antecipada a todos os encontros, dar sempre mais do que recebe, disto se acusou toda a vida, se acusou mesmo perante Peter, certa vez - será que não se pode mudar, isto de estar se dando mais do que os outros pedem? Ele a olhou muito e muito, a luz dos olhos azuis era da mais pura admiração: "Não, Angela, não queira ser outra, jamais. Isto é um sinal de grandeza - você é grande, sabe? Bem maior que eu e tantos (isto não devia ter dito, não era verdade), só os grandes dão mais do que recebem, não deve envergonhar-se disto, era como se se envergonhasse de ter em casa uma riqueza." Claro que não acreditava uma palavra daquilo, Peter vive com a boca cheia de Michel Quoist, era até um enjôo. No fundo, é uma tola, uma sem qualquer dignidade, sem um tico de amor-próprio. Ser que nem Laura, desprezar as gentes, estar acima delas, mas, e o hindu? Um garçom de restaurante reduziu-a a menos que nada. Gomo saber o que vale mais? Porém não está contente consigo mesma, assim devem sentir-se os negros, será? Laura foi a um baile negro, isto eu gostaria de ver, irei, convidarei o Cheng. Vem Peter saltando do táxi, com a mala, o rosto de um calmo sofrer, já o conheceu com aquele ricto, a dor que não o larga um minuto, nem se queixa mais, só se sabe condenado, Peter vai morrer, quando que agüentaria esses mundos de Africa? última vez em que se encontram nesta vida. Porque, mesmo que ele não fosse para tão longe, ela terá de voltar ao Brasil, lá é a sua vida, se um dia voltasse a Paris, isto não seria tão cedo, ele já teria morrido, cinco anos, no máximo, não foi o que os médicos afirmaram? Como pode alguém viver nessa certeza? É um santo, só sendo. Ou não acredita, é isso, ninguém crê na própria morte, mormente quando se tem vinte e sete anos, no íntimo não acreditaria um pingo no que os médicos - tanto os de Amsterdam como os de Paris - sentenciavam. Sua condenação não existe. Ou espera um milagre, quando se é moço todos os prodígios são possíveis. Porque não se percebe nele nenhum presságio dessa morte certa. Acre– ditasse, que horror de vida não seria a sua? Ainda não me viu, nem me busca com o~ 01t10s 1 sabe que estou aqui, 62

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