CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

noivo engenheiro, bolsa pra estudar em Paris, olha um pouco para mim, viúva, três filhos criei, limpando banheiro, lavando sentina de quanta gente. Para mim, que tenho um filho com crises, logo o meu caçula, o mais inteligente, o meu môme. Olha as minhas pernas, Ângela - levantava a saia do uniforme azulão exibia as varizes tufadas - sabes o quanto isto maltrata, estas cordas negras, estas misérias? E meu útero caído, tenho hospital de graça, posso operar, mas se paro de trabalhar, quem põe comida pra dentro de casa, quem? Pois os outros dois filhos, sadios, cada qual na sua vida, mãe para esses não conta, regarde un peu les autres, Angelá." Ângela vem descendo, não esperou o elevador artrítico. No primeiro andar, alguém a chama: "psst !", e esta! , não é que o velho bacurau está de porta aberta, esconde dele teu rosto intumescido, ainda bem que levo estes óculos enormes. "Já, senhorita? - ele abre totalmente a porta - não me falou que está de férias?" "Vou à Gare do Norte despedir um amigo." O velho lhe perscruta a angús– tia, sua boca trêmula, isto os óculos não escondem, mas não diz nada, abre a gaveta, tira um livro - deve ser esotérico - tome, quando voltar, passe aqui, apanhe este livro, vai fazer-lhe muito bem. Agora que está de férias, vamos àquela seara que já lhe falei." O polonês. Na ver– dade, o monopólio àa angústia não é só teu, que que tu pensas, regarde un peu les autres, o velho acuado que nem um bicho, dia todo no quarto, lê, escreve ou finge que escreve, não desce senão quando a noite vem e as sombras lhe escondem o vexame) ainda sai pela porta lateral, de– vem-lhe doer os risos no bar, ali junto, sua mulher coman– dando alegrias, sua mulher rodeada de clientes e antigos moradores do hotel, gente que bebe e ri de tudo e de todos, gente de olhos frios, gente ruim?, não, simplesmente gente. O velhote sai, oculto feito um criminoso, um marginal, vai comer no bar da esquina, depois se ficará flanando até bem tarde, pelo Bulevar do Montparnasse, na volta toma um copo no Dupont - "Mademoiselle já comeu os mexi– lhões do Dupont?, são tão bons quanto os do Halles, e bem aqui pertinho", ah, velho que conversas com o gato, nas compridas tardes de domingo, "Madame está no campo, Madame se foi no sábado". "E o senhor, não sai?" "Não, não gosto (mentira, bem que adoraria evadir-se um pouco de semelhante cativeiro, ver outras coisas, respirar longe, 61

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