CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

acabou consentindo. Dormimos juntos as últimas horas, e nunca o amei tanto, incrível, eu o amei chorando, sa– bendo bem que era o fim, total. Quando ele, esgotado, tombou para um lado, sabes o que ainda me disse, nos portais do sono?: "Dê o fora, quando acordar não lhe quero mais ver aqui." Adormeceu, me sentei aos pés da cama, e ali fiquei quantas horas, em adoração, contem– plando-lhe o rosto pela última vez, a boca que me ultra– jara, a cabeça adorada; toda a tua paixão por esse padre é nada perante o que sofri ali, tens um amor condenado, proibido, mas ele não te aviltou, não te tratou como a derradeira das mulheres. Pois tudo ainda não era dito. Laura, vendo-o ador– mecido e sabendo bem que era o fim, não podia, simples– mente não podia arrancar-se dali sem um nada dele. "Um retrato, não vou sem um retrato." Madrugada já se insi– nuava, o céu de Londres se arroxeando devagarinho, "e é já, antes que ele por um acaso acorde, mas não acorda, bebeu demais, amou demais, amou com raiva e fúria, mas amou, não despertaria tão cedo." Começa a rebuscar, de– pressa, tentando evitar o mínimo ruído. Vasculhou gave– tas, armário, guarda-roupa. Havia uma maleta no chão, ela vai de gatinhas, respiração presa, uma junta não estalar, abre a mala, e principia a coscovilhar - quando ouviu foi o berro, que susto: "Ladra vagabunda, sua puta" - e os tabefes - "você ainda por cima é ladra" - e pegou-a pelos cabelos, arrastou-a até a beira da cama, acendeu a lâmpada da mesinha, virou-lhe o rosto contra a luz, rosnou-lhe, trincando os dentes (o bafo, álcool puro): "Sua puta, ladra ordinária (via a hora ele me degolar, me estrangular com uma echarpe, um cachecol), me diga, vagabunda, quantos machos você agüenta numa noite?" Orgulho nela bramiu. Laura deu-lhe um safanão (o que vale é que ele estava de porre) e lhe cuspiu na cara: "Vinte, seu puto!, e todos por dinheiro, como com você, gigolô de merda!" Aí ele urrou (toquei-lhe no nevrálgico, eu que lhe pagara jantares e noitadas), deu-me um em– purrão para a porta: "Rua, cadela, rua", gritava cada vez mais alto!, lá fora ainda escuro, quis ver se ganhava um tempo, medo de sair, sabia que ele não me mataria, não é homem para isso, é um pulha, quis ganhar um tempinho, pedi "perdão, Thomas", Ângela, pedi, não nego, mas ele foi de pedra, e me empurrou mesmo, abriu aos trancas a 57

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