CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
já assumia os velhos ares: "Tu sabes, minha filha, como eu sempre te disse, a mamãe aqui joga muito alto. Engoli meu pavor, sim, não nego, por dentro eu me apagava, o cu não cabia um cabelo, mas levantei a queixada, assim mesmo, olha aqui, ergui o topete e, maldizendo do fundo da minhalma a esparrela em que caíra, a minha ignorân– cia do inglês, mas mesmo assim berrei pra ele, para aquele puto, o canalha sedutor e lindo, num inglês miserável, mas que ele entendeu, ô se entendeu, eu lhe disse, nos chifres: Olhe aqui, seu pulha, posso ter vinte homens numa noite, mas os meus machos, sou eu quem escolho, e não você, viu, seu égua?" - E ele, Laura, e ele, não te meteu o braço? - Ah, virou bicho, eu pouco entendia, mas o bastante para perceber os horrores de que ele me cobriu. - E não pediste um socorro? Não apelaste para o outro, talvez menos canalha? - Sim, era. No aceso dos impropérios, me vi perdida, me voltei para o inglês, que a tudo assistia, impassível. Voltei-me para ele, e pedi: Pelo amor de Deus, vá embora, ele foi. - Mas (Mariângela quase gritava), e tu não foste com ele, ficaste com o monstro? - Ai, filhota, bem que eu quis ir; era o que pretendia; me agarrar no braço dele, escapulir dali, ao menos até a rua, e me enfiar num táxi, sumir dos dois. Mas cadê que eu pude? Se te digo que o amava, ao Thomas, que o amo feito doida. Acabei ficando ali, acabei dormindo com ele, mais aquela noite, a última. - A última. Então tiveste a coragem de romper, de fugir dele, ainda bem. - Eu, não. Foi ele. Por mim, te digo, estaria lá, e se ele me chamasse, ele me chamasse!, largaria emprego, largaria mãe, irmãos, minha família, ia ser garçonete, servente de bar, puta! Mas não me quis. Me expulsou, bichinha. Voz dela se quebrava, se ficava de súbito muito hu– milde, nem que estivesse num palco - era lá possível uma Laura desse jeito, dégonflée, mísera e mínima, acaso achasse um estranho prazer em assim se mostrar aos olhos da amiga. - Fiquei, supliquei-lhe que me deixasse passar aquela noite, a derradeira; ele, sempre nas injúrias, e já bêbedo, 56
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