CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

Angela dormiria, cansada de esperar por elá e de sofrer. Fui de um egoísmo, mas nem é sincera a auto– -acusação, não padece remorso algum, quer bem a Angela, acudiu-me na apertada hora, sorte minha encontrar essa menina no corredor da Aliança, aquele quarto grande, a cama de casal, a outra aceitou, Laura prometeu dar me– tade, pagou uns meses, depois não, para quê, ela estaria pagando mesmo sem mim, e eu precisava do dinheiro para Londres, sustentar meu gigolô, sim, senhor, chorou miséria perante a amiga, e sustentou jantares e drinques do Thomas, noitadas com ele, se ele não me expulsa, ficaria de tanga, nem passaria mais por Paris, depenava-me, o crápula. E eu sabendo, eu consciente de manter-lhe a gigolagem, eu, Laura Maria Alves Loureiro, paulista qua– trocentona, a mais ínfima putinha de Londres. Espanto de Angela, naquela noite quando subiu, o quarto aberto, e deu com a amiga só de calcinha e soutien. "Laura!, você voltou, que bom!", e os abraços. "Já jantaste, come uma coisa, um queijo, uma fruta." Angela numa alegria: "Mas me conta de Londres, me conta!" A outra se fez de repente assim tão séria, como nunca se lhe vira antes: "Senta, bichinha, tenho muito que dizer. Estás vendo esta mulher na tua frente?, paulista de quatrocentos anos, aha, se minhas tias sabem do que eu fui em Londres, que desmaios no velho casarão decadente da Avenida Ipu. Se Albano sonha os chifres que lhe pus nesta viagem, e até que ponto desci, no apartamento de um quinto andar no Marble Arch. A mansarda do hindu. Naquela noite, eles jantariam fora - era a folga de Thomas - e a noite toda deles, e nunca ela se fez tão bonita. Passou a tarde no cabeleireiro, caprichou na ma– quilagem, "fiquei linda, bichinha, te digo, esse h indu, eu gamei, amei deveras, ainda o amo, o desgraçado, e não vou me curar, nem quero me curar, não quero, embora saiba o quanto vou curtir, pela vida toda, a lembrança dele." - Ninguém chora a vida toda por uma só causa, tu mesma não acreditas nisso. Mas Laura jâ está coscovilhando na mala, naquele cantinho da mala, escondido, dentro da caixinha, tira umas fotos, é uma menina, absolutamente uma menina, tem dezesseis anos: "Vê, Angelazinha, espia só, me diz, e mão na consciência, já viste alguém mais bonito?" "Na verdade. Um príncipe." "Isso!, não é ver um príncipe?" Sacudia a 51

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