CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

algo, nem sabia o que comia, a outra teve de advertir-lhe: "Ele está notando a tua gamação, menina, cuidado com essa raça, aqui não é Brasil." "Deixa lá, mana, que eu sei me defender. Mas que lindo!" Dia seguinte, voltaram, à insistência dela. Desta vez, quando saiu, já lhe sabia o nome: Thomas - seria mesmo o seu, ou usaria um falso? Deu-lhe o número do telefone. Saíram juntos na primeira folga dele. Em Londres. Que paixão. Que coisa. Em vez de uma semana, ficou três. Mais teria permanecido, ainda hoje estaria lá, teria man– dado ao diabo o emprego no Brasil, o mundo todo, se ele não a escorraçasse feito a última das prostitutas, às cinco da manhã, não a empurrasse, aos impropérios, aos piores insultos, mal o dia amanhecendo, escuro ainda, ela desceu os cinco lances tremendo e chorando, que humilhação. Nunca mais vou me curar disso, nunca mais, deste, eu sei, não me libertarei. Angela, Angela, tu não sais da casca, vives te consumindo de estudar e de paixão por esse padre entupido de escrúpulos, um meio homem, mas nin– guém te desclassificou como a última das putas, a mais reles, a ínfima. E ladra, ainda por cima, que infame fo– lhetim, não doesse tanto, se apesar de tudo, não o amasse ainda. Dizer que nunca mais o verei, que vou voltar para São Paulo com esta ferida que não sara, nem Albano, ninguém me fez tanto mal, nem me empolgou assim. Eu precisava era matá-lo. O último dos homens, o maior pulha de quantos conhecera. Entretanto, se ela fosse vol– tando o rosto, à meia-luz desta sala, e por um acaso, um milagre, desse com os olhos dele, zombadores, bem ali, haveria neste mundo alegria maior? Volveu o rosto para a sala obscura, as outras meses, e o italiano, meigo, meigo: "Cosa voglie, tesoro?" "Nada, bem, julguei ouvir um riso conhecido, gente da minha terra." O show do Tête-de-1'Art chegava ao fim, ela falou: "Vou para casa, a minha amiga, você sabe." Ele: "Mas é tarde demais, estará dormindo." Insistia em levá-la até ao HaJles. "Só um momento, você deve ter fome, nós não jantamos." Curioso como não propôs logo levá-la ao hotel, pressentiu sua tristeza: "Você gosta tanto do Halles." Era verdade, qualquer noitada parecia não ser completa se não fossem àquele mercado, ela quanta vez voltava de lá o dia amanhecendo. 50

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0