CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

Outros: "Há argumento em demasia, dava para três filmes, ele embolou tudo." Angela. Cheng diz que eu uso as pessoas. E daí? Al– bano não me usou? Também outros me usaram. O hindu, o hindu. Esse italiano cheio de denguice e de frescura está me usando também, pensamento dele é na cama, como o de todos. Uso as pessoas, sim. Angela também, embora eu goste dela, mas para que uma cama tão grande se dorme só? Algum possível amante? O padre? Ou é uma imbecil, uma encapada, não tem peito para agarrar esse holandês de tripa podre, bonito homem, louro demais para meu gosto, mas aquilo devia ter um fogo guardado. Virgenzi– nho, seria? Cheng não era virgem coisa nenhuma, só assim muito recatado, teve de vencer-lhe a resistência, os escrupulos: "Mas aqui, na cama de sua amiga?" "Ora, ora, ela não sabe." Cheng fugia dela agora, moralista, tipo da pessoa que eu mais abomino, me considera uma puta, na certa. Se envergonha de sair comigo, que que ele pensa que é, esse merdinha? Os homens são todos uns pulhas. Será que só servem para amigos? O Baden, o Vinicius, desses não guardava mágoa, só lhe produziam encantamento, alegria. Os únicos que não acabavam em ódio, em amargura. Como o hindu. Angela deve dormir, extenuada de sofrer. É preciso que eu entre bem devaga– rinho para não a acordar, a amiga tinha um sono de nada, de pássaro ou de criminoso, alguém que tem culpas escondidas. Quantas vezes não chegava ao quarto na ponta dos pés, madrugadinha, sapatos na mão, metia a chave na fechadura com precauções infinitas, mas a outra sempre abria uma pálpebra: "És tu, Laura?" "Claro, quem mais, pensavas que era o padre?" Para fazê-la rir: "O trottoir dos Campos Elísios não estava nada mau hoje, peguei uns poucos." Angela se soerguia, olhava o reloji– nho em cima da mesa de cabeceira, "quatro horas, criatura, preciso dormir, tenho um exame com o Matoré, na Sor– bonne." "Tua Sorbonne, tua Sorbonne, de que vale isso, Paris está aí, idiota, e tu não aproveitas nada, esses cursos não te dão coisíssima, não vais ganhar um centavo a mais, não te iludas, é tudo uma grande merda. Não tenho a tua instrução, mas ganho mais que tu, no meu Minis– tério. Eu na Educação, já pensaste? Laura, la Grand' Pute, na Educação, é de morrer!" - deixava-se cair na cama, na risada, e a outra: "chutt, os vizinhos, menina!", e retomava 48

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