CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
uma hora dessas, estará no restaurante, à espera· de outra para pagar pagar-lhe as noitadas, outra que depois cederia aos amigos. Laura Maria Alves Loureiro, paulista qua– trocentona, marxista-leninista, mas ainda quatrocentona, virou a putinha mais reles de Londres, na mão daquele príncipe hindu, garçom de restaurante. - Meu bem, agora é a Amália, que você tanto queria ouvir - dizia-lhe o metteur-en-scene - tesoro!, que é que está acontecendo, você não está aqui, que se passa? Sua amiga dorme, amanhã você se redime, nós a levaremos a algum lugar. Laura tem um risinho: "Era justamente a Amália que ela queria ver (eu não presto, chorei miséria perante Angela, não ajudá-la a pagar o quarto, e fui sustentar um gigolô em Londres) ." As guitarras gemiam no palco diminuto do Tête-de– -l'Art, Amália nem envelheceu, raio dessa portuguesa, can– tadeira velha, deve ter uns dez anos mais que eu e também farrear duro, mas resiste, a sacana, eu, mal tenho trinta anos, já fiz plástica de busto, tenho um horror de fios brancos, obrigada a viver de óculos escuros, esconder estas olheiras que me põem decrépita. Amália atendia a pedidos da platéia. O italiano falou: "Você não quer uma canção especial, uma sua predileta?" "A Canção do Mar". Ele bradou: "Cançon del Mare, para esta moça." A cantora apertou os olhos contra as luzes da ribalta, deu com o tipo alto, moreno, de Laura: "É brasileira?" Voltou-se para os guitarristas, falou baixo, e desculpou-se: "Não a canto há muito tempo, mas vamos tentar, logo mais. "Canto-lhe por ora esta, bem brasilei– rinha." Violas repinicaram, no baião, ela largou, brejeira: "Oi, trepa no coqueiro tira coco jique-jique nheco-nheco no coqueiro orirá ... " tudo com a pronúncia, os tt, os ss, as finais, bem do Brasil. Angela iria adorar isto. Burra. Burra, sim. Se consumindo de paixão por aquele sarará malacafento, um doente das tripas, um cagão. Mas devia ser bom namorar padre, não um safado, estradeiro, como o de Roma, que queria acender um fogo de artifícios de beijos em cima de mim: "lo vole- 45
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