CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

sem-alma, capaz de tudo, só o dinheiro e os amantes lhe interessam, é pouco o que ela faz com esse velho? Je l'au– rais tuée. Não duvido, aliás, que ele não lhe esteja pre– parando algum bom golpe, m-ansidão tamanha não era para desconfiar? Um dia este hotelzinho estará nas man– chetes, a seta apontando o quarto dela, você verá, fique uns tempos, verá." Mas Madame Arlette e o velho dormem, Betsabete, exausta, dorme, Peter também, eu sozinha nestas quatro paredes. Meu quarto. Ali vivia, há tempos. Integrou-se ao ritmo da vida parisiense classe média, vida de estu– dante. Conhecia todo o quarteirão. A doceira do canto do Bulevar Pasteur com a Rua Falguiêre já lhe reservava, dias certos, o seu baba-au-rhum, interessava-se por seus estudos. A dona do armarinho; o pessoal da esquina do Pasteur com o Vaugirard, uns argelinos que tudo haviam perdido numa explosão terrorista na Argélia, lá estavam, eram quase uma família. Conversadores como todo. Vou precisar deles - do contrário, como viver? Como? * * * Laura não fora ao Crayse Horse, mas ao T'ête-de-l'Art, onde cantava Amália Rodrigues. Numa mesa ao fundo, com o amigo, o diretor de cinema italiano, Laura se cutuca: "Bem que podia ter telefonado para Angela, ela estaria aqui, se divertindo um pouco, está aí um dia em que ela deveria estar comigo - a burra se acabando de paixão pelo padre, pior coisa, esses amores platônicos, podrura, isso rói a alma dum." O amigo tomou-lhe a mão: "Tesoro, que pensas?" "Na mi– nha amiga que está chorando." "Chorando?" "Sim, a tola, apaixonada por um padre, e é noiva de outro, no Brasil, um dramalhão de quinta ordem, o padre embarca amanhã, de vez, prometi-lhe que voltaria mais cedo, passaríamos a noite juntas" - e já o italiano se comovia, por que não dissera nada? "Convide-a amanhã, sairemos os três." - Isto é uma merda. Angela, você não vai estragar minha soirée - também tenho meus tumultos, nunca vou esquecer daquele hindu, estes todos são meus analgésicos, o diabo é se eu pego um filho e volto prenha pro Brasil, nem sei quem é o pai. Vingança? O hindu, esse demônio, 44

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