CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
nhão, olho vivo nos negócios, mas, se lhe dava o vício, acabou-se. Dias e dias sumido, ela atrás, pelos bares. E lhe davam ataques - a mãe dizia que era paludismo, mas seria mesmo? Angela desconfiava fosse um epilético - e bebendo! "Eu um dia lhe cravo um punhal, e vou em canal" Betsabete, você deveria estar aqui comigo, me re– latando histórias terríveis, xingando a patroa e seus muitos amantes, me falando do polonês marido da patroa, dessa outra solidão, tão diversa da nossa. O velho passava o tempo escondido no qúarto, feito um bicho na toca - temia descer perante a luz do dia, dar de cara com a mulher e os amantes, a mulher eternamente sentada no aquecedor do bar, esperando os seus Jules, ou de colóquio com eles. O homem se ficava no quarto rabiscando coisas ou lendo livros místicos, uma espécie de rosa-cruz, um espiritualista, conhecia igrejas as mais esconsas, as que ninguém sabe, um dia levou-a àquela da Rua de Greuze, no Trocadero, a missa numa sala antiga, para catorze pessoas, móveis de que era?, e tudo em árabe. Sim, porque eram amigos - e desde que tivesse um tempo, uma tarde (isso fora antes de Peter), permitia que ele a levasse a ver esses rostos ocultos de Paris. A sessão espírita não chegou a ir, ver o halo verde que descia e de onde saía uma voz - ele lhe descrevia tudo, essa era a sua vida, os ritos, e conversar com o gato. Um domingo de tarde, Angela desceu, apanhar uma garrafa d'água gelada, ouviu vozes - era ele, sozinho, seria doido, falando alto e para si? Não havia ninguém na sala. Nem se deu por achado. "É o Piemonte." - apresen– tou-lhe o gato, um enorme. Madame saía, nos fins . de semana, de carro, com os amigos, ele ficava, a dar comida ao gato, aquecer a água, essas coisas, uma espécie de criado. Habitavam quartos separados, não era marido de espécie alguma, e porque se ficava ali, naquela servidão feita de vexames, não descia, só mostrava o rosto depois de a noite chegar, se instalar, as sombras tomarem conta das ruas, aí saía, sozinho, ia comer o seu bocado. Isto, suas missas, seus encontros rosa-cruzes e o gato, a vida dele. - "Je l'aurais tuée - rosnava Bete, em fúria. Subia sufocada. Odiava a patroa que a explorava - só me sub– meto porque preciso, tenho um filho naquelas condições; dia em que o meu môme se curar, se endireitar na vida, cuspo-lhe nos olhos, megera! Uma sem-alma - dizia - 43
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