CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
•. Eliseos, solidão de Pigalle, à uma da madrugada, no ruge– -ruge de turistas, pesava-lhe mais que a da mais remota cidadezinha do interior do Brasil, uma beira de igarapé do Amazonas, um lugar assim, escondido, São Gonçalo, por exemplo, no Estado do Rio, a rua por detrás da vi– dreira, um fim de mundo. Mas ali não experimentava, quando ia em visita a parentes seus, tempos em tempos, o peso que a acabrunhava, em certas horas, em meio àquela foule no metrô. Outra que descobriu logo: em Paris, quando se está só, não há muitos caminhos, para quem fica um certo tempo. Ou um se mata de trabalho e estudo, ou se acaba de tédio e cai na farra. Encher bem o dia, chegar em casa à noitinha extenuada, dormir feito uma pedra, ou ainda se pôr a estudar, até essas tantas. O que valia era essa fome de gente que sempre teve. Observar as gentes, cada detalhe, uma esquina, uma vendedora de jornais, tudo valia, tudo. O velho polonês. Poderia ficar horas e horas ouvindo-o. Homem que vivia entocado, e conversava com um gato. Mesmo sem falar de Peter e de Laura e Cheng, ou de seus colegas de curso, ela não seria jamais sozinha. A Aliança era-lhe um refúgio. Mas a Aliança não a pode valer nesta hora. Esta devo cumpri-la só, sem Laura nem Betsabete - só com os ruídos do bulevar e do elevador asmático que, vez em quando, a enganava. Se eu tivesse agora uma crise, uma coisa assim, te juro que poderia morrer, nem ninguém saberia. Solidão da grande cidade. A bem dizer, seu amor por Peter, a paixão do cambojiano, vida louca de Laura, causa de tudo isso não era a solidão? Só o amor de Peter é feito de piedade. O único que não mendiga nada, e é o condenado, o que não tem mais que cinco anos de vida, o que carrega consigo o sinete da morte. Se bem que isso por vezes lhe pareça incrível. Aquele homem com os anos contados e vivendo que nem os outros, não era sobre-humano? Ou não acreditava veramente nessa condenação? O pior cego ... Ainda bem que a amiga não se tinha ido embora daquela vez, para o Brasil. Não havia emendado viagem de Londres. Voltara a Paris. A viagem a Londres, que coisa. Ela estivesse agora aqui, cantaríamos baixinho, como na véspera da partida para a Inglaterra. Nessa noite, eram três: Laura, Eliane (uma francesinha de cabelos por aqui, guitarrista como todo, amante desadorada de tudo quanto era bistrô), Angela. Mas Eliane, de repente 41
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