CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
tipicamente da cidade. Aquela casa era o menos hotel possível. Só antigos moradores de quatro, cinco, dez anos. Uma sorte. "A senhorita vem para morar? Não recebemos gente de passagem." Sim, ficaria meses, um ano letivo, ou até que o noivo viesse, possível se casassem em Paris, uma coisa ela fazia questão, seu pai não estivesse presente, seu pai que não fizera um gesto em favor de Fausto. Há que tempos não pensa mais nisso (encara o casa– mento com horror), toda entregue à paixão, ao desgosto pela perda de Peter. Há quase um ano mora nesse quarto. Para achar o bulevarzinho, que pesadelo, diabo de rua mais ignorada. Maria Loreto lhe havia dito: "É uma rua curta e larga, ali por detrás do Montparnasse, metrô Pasteur." Saiu de casa (hospedara-se, de início, com amigos) cedinho, e toca a andar, afinou as canelas, atrás da rua, nada. Depois do almoço na Aliança, recusou o convite do grupo do pro– fessorado para o habitual café, no St. Placide: "Vou pro– curar meu canto, estou fazendo ninho, gente." Os amigos se entusiasmaram. Maruja, uma advogada venezuelana: "Mas me diz, é perto daqui?, vou ter um lugar para a digestão, preparame a siesta." As demais: "Oba, oba, vamos inaugurar isso." Mas a velhota vendedora de echarpes na estação do Montparnasse respondeu-lhe com a má-criação típica do francês de rua: "Ma petite dame, quer brincar comigo? Moro há mais de vinte anos neste bairro e nunca ouvi falar nesse bulevar. O que existe é a Rua de Vaugi– rard." Nem acabou de ouvir, saiu, irritada, fosse por esses parisienses de rua, já teria renegado a cidade, desde o primeiro dia. Que nem Laura, que raramente voltava para casa sem uma história, uma disputa, um palavrão que dissera, em troca, a esses franceses de. . . "Filha, o negócio é esse. Casco-lhes a língua, quem muito se abaixa, alguma coisa lhe aparece. Língua dura em cima deles. Não agüento desaforo de francês, uns merdas, nação de quarta ordem. O mal dessa raça é que todos se tomam por her– deiros de Descartes, Pascal, Corneille, Racine. A arrogância, o rei na tripa. Tu tens estômago para aturá-los. Eu não. Paris para mim foi um fracasso. Não fossem as minhas farras tão gostosas. Larga essa livralhada e cai na gandaia com o teu padre, para isso é que é bom Paris." Em parte tivesse razão. Porque de uma coisa, terrível verdade, cedo Angela se convenceu. A solidão nos Campos 40
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