CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

chegava cedo, por cansaço ou falta de companhia, que prazer lhe dava. Lanchavam juntas, depois o violão. Apoiada no espaldar da cama, começava, na voz grave e bela, a última do Vinicius: "Formosa, não faz assim." Ou esta: "Bom dia, amigo." Aprende, bichinha, aprende o contracanto, pra nós nos esgoelarmos no metrô, gente pode viver meses aqui desse jeito, no metrô e nos cafés, vamos lâ: "Bom dia, amigo/Que a paz seja contigo", olha, vou te levar num vatapâ em casa do Jean Luc Descaves, vai ser uma coisa." Promessas tantas, em seus momentos de camaradagem, raros, ricos, nunca a esqueceria, persona– gem de tanta força e marca, nesse verão parisiense. Ela chegasse agora, tocaria o violão baixinho, e me cantaria a última do Baden e do Vinicius. Mas Laura esqueceu o prometido, e nem tinha programa, alguém a deve ter levado ao Grayse Horse. O elevador lá se vem rangendo as ferragens velhas, vai parar, parar aqui no quarto andar, é ela, se lembrou de mim, largou os amigos de uma noite: "Me desculpem, meus fãs, meus porta-estandartes, mas devo comparecer perante minha amiga em solidão, moro com ela, devo-lhe esse favor." Devia nada, pediu e recebeu, coisa mais natural: "Minha nega, estou numa sinuca, serâ que eu podia ficar com você só até achar um buraco?" "Sim, claro, tenho cama de casal, você se mexe muito dormin– do?" "E eu durmo? Só chego de manhã, sossega, terâs teu soninho integral, eu sou noturna, me deito com o dia." Meu canto, minhas quatro paredes. Sempre fora sonho seu ter um lugarzinho em Paris, não como turista, mas no seu quartier, comprando o seu pão, sua fruta, seu iaurte. Tia Dadan, quando ela lhe surgia com essas miragens: "E Fausto, menina? Teu pai? Eu, não sou nada pra ti? tua velha tia?" Tia Dadan em Paris, isso poderia ser divertido, pessoa para amar uma dança, louca por bailes. De tempos em tempos punha ao sol suas fantasias de carnavais passados. ·Não seria mau tê-la aqui. Mulher incrível, as excentricidades, a poupança, comia uma vez por dia para poder comprar, em cada car– naval, um "príncipe", uma "escrava", fantasias das mais ricas para ir ao Municipal e se fazer fotografar pelo O Cru– zeiro, sua glória anual. Poderia estar morando na Aliança Francesa, ou num foyer de estudantes, pois era bolsista. Mas preferiu algo 39

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