CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

cedo, vou só passar pelo Consulado, ver se há recado ou carta, ver se encontro alguém. Volto cedo, te faço uma serenata, juro (cruzava os dedos na boca, tchuco), nem vais chorar, que eu não deixo. Tchau!" Já madrugada, e cadê Laura, suas promessas. Fiar-se nela. Bom, tinha por vezes uns rasgos, mas isto fazia parte da imprevisível que era. Cheng achava-a dura, fria. Betsabete também: "Essa mulher não presta. Além de ser uma desmazelada. Foi ela chegar aqui, cadê mais ordem e asseio neste quarto? Só a aturo por tua causa, Angela." Mas Angela quer um bem à outra, ela tem esse poder, é só decidir, toma tudo da gente. Isso desde o primeiro dia, no filme do Gláuber. Foram ao Trocadero, encontraram-se lá, conforme o combinado no corredor da Aliança. O filme era "Deus e o Diabo na Terra do Sol", a sala cheinha de brasileiros. Antes da projeção, uma moça do Consulado, uma russa mas que falava um português perfeito (vivera anos no Brasil), subiu ao palco com um rapazinho pela mão e o apresentou à platéia: "Este é o dono do filme, é o Gláuber Rocha." Ele simples, algo encafuado. Laura, sentada um pouco longe dela, fazia-lhe repe– tidos sinais: "Quero falar com você, urgente." A saída, veio, numa pressa: "Vamos até a casa da Helena come– morar o filme do rapaz, mas antes, preciso que te diga, estou numa fria, nega. Será que você me ajuda?" Perdera o quarto, naquele mesmo dia e, pior, fizera a amiga, com quem se hospedara, ficar também na rua. Relatava: "Esses parisienses são uns hipócritas, uns podruras. Só porque saí do banheiro enrolada na toalha, o merda do síndico, no corredor, me viu, nem ia nua, na toalha, o podre já pediu o quarto à Alicinha, o azar maior é que ela não tem dinheiro para ir pra um hotel, vai ter de se arranchar na casa da Helena, que já é um ovo, até conseguir outra coisa - esse lugar era a bem diz.er de graça, ela trabalha de tarde no consultório de um médico, como atendente, ele em troca deu-lhe o canto pra morar, é o salário. Eu sempre uma errada, havia de causar isto à minha amiga, só o que faltava." Mas o remorso não durou, ela era assim. Por isso Cheng afirmava: "Ela usa as pessoas, usaria a própria mãe." Porém Mariângela deve a Laura algumas horas de alegria, ainda que raras. Nas pouquíssimas noites em que 38

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