CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
me. O menino teimava, não se conformava, estendeu a mão, puxou-lhe o cabelo, a mãe ralhava: "Não insista, é proibido tocar, que coisa". "Só quero tocar o rosto dela, mamãe, só o rosto" - e foi aquele estrupício, o susto, Laura deu um pulo de gato, vvuuup!, o menino largou um grito - ela no palco de novo, seu público, os muitos risos: "Mas senhorita, que perfeição, "on pourrait la con– tracter". Todos a festejavam. Menos Cheng, rosto voltado noutro rumo, negando-a, essa eu não conheço, não me envergonhe. Porém ela ignorou-lhe a fúria, ainda debochava: "Eu devia era ter mijado na banheira do Marat", e desenvolta enfiou o braço no dele, arrastando-o, lá se ia ele, aonde ela quisesse, seu poder. Coitado do Cheng, temia-a, odia– va-a quase, mas não lhe escapava ao fascínio. De longe: "Angela, não ande com essa mulher, ela não presta, lhe compromete." Mas não a resiste. Eles estiveram aqui, nesta cama, como afirma Betsabete, possível? Laura me prometeu, solene, desde o começo, nem o telefone daria a certos amigos. Do contrário, perderiam o quarto, a pro– prietária, adúltera confessa e declarada, mantinha suas aparências, fazia questão: "Eu as recebo porque são reco– mendadas de Madame Loreto. Maria Loreto, do Consulado do Brasil, recomendara Mariângela. Laura jurara não receber ali ninguém. Nem dar o endereço, o número do quarto. Verdade que houve o fantasma. O Fantasma. Naquela noite, Laura chegou até cedo. Angela animou-se: "Vamos a um violão?" "Outro dia, fi– lhoca, estou na casca." E, mal trocou de roupa, enfiou-se nas cobertas, e logo ressonava. Angela também adormeceu. Acordou essas tantas, com umas pancadas, discretas, na porta do quarto. - Laura, Laura! - cochichou-lhe Angela, coração aos pulos - estão batendo aqui! A outra, no entressono (ou fingia?): Bobagem, é aqui nada, deve ser aí junto. - Não, mana, é aqui. É aqui mesmo, escuta! - Nada, estás é sonhando, vendo visagem. Tem nin- guém não. Dorme. E se virou para o outro lado, retom– bando no sono. Mas as pancadinhas prosseguiam, medrosas, a inter– valos irregulares, mas prosseguiam. 36
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