CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

ao Louvre é viver intensamente." Concluía (tão padre): "Mas é um ponto de vista. As coisas têm em verdade a importância que lhes damos." E logo falou de outra coisa. Laura fechou-se, não proferiu palavra até o fim do almoço. Peter era o único à vontade, encantado com a novidade, jamais comera em restaurante universitário. Laura estava mesmo nos seus azeites. "Quando me vejo arruinada, como aqui. A bichinha me convida, não deixa a mana com fome, não é, nega?" Que coisa, que falta de um tudo, prazer dessas gafes, indagara foi do museu, e esnobar com essa pobreza em que ninguém acredita. "Mentira, padre, ela adora frases singulares, imagine que um dia desses me convidou para cantar no metrô, levaríamos o violão, nos sentaríamos as duas num corredor do Montparnasse, me obrigou mesmo a ensaiar, avalie." A outra animou-se: "E não foi burrice recusar, padre? Quando penso que poderíamos viver meses em Paris só com esse dinheirinho, fácil, fácil." Concluiu, terrível: "Foi pior, ela não quis me ajudar no metrô, acabei nos Campos Elíseos, verdade que dá mais, tabela ali é alta." - Perdão, Mademoiselle - o padre não entendia. Ela tirou os óculos, teatral, calculando, armando bem o efeito da frase (meu Deus, vai dizer aquele horror, não, Laura, piedade), ergueu a régia mão de longos dedos, bela mão morena, levantava inda mais o queixo (podia-se ver como era linda). Todos em volta suspenderam o seu garfo - era o que ela pretendia, personagem central, haviam-lhe dado a "deixa", agüente. "O senhor é missionário, não é? Ê o senhor quem vai fazer a Africa, pois não?" O padre fez que sim, olhando-a muito (o que sairia daquela cabeça cheia de orgulho e oculto amargor?), tremeu, adivinhou talvez, mas não a pôde impedir, e ela: "Pois é, o senhor faz a Africa, eu faço o trottoir, é também uma forma de missão." Que minuto. Mas esse Peter, se Laura contava derrubá-lo com essa - só curvou meio de lado a cabeça, como quem ri de uma travessura: "A senhorita tem muito espírito." Mariângela, alto, para todos ouvirem: "Bem se vê que ela faz teatro, nem pode esconder, não perde vez para uma cenazinha." Cheng só disse, num oriental desprezo: "Chapeau!" Ele, já noutro tom, cena finda: "Mas então, ninguém me acompanha ao Louvre? Embarco amanhã para Lon– dres, possivelmente não voltarei por Paris." Angela deci- 33

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