CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
refeições e foi buscá-lo: "Hoje você come aqui, já tenho os tiquês, Laura virá, você vai conhecê-la, não me faça essa cara, por favor." O restaurante. As vezes Laura acordava: "Hoje não arredo pé daqui, bichinha, vou comer teu pão, teu queijo, estou numa lona." Convidava-a, então: "Vamos à Aliança, é baratinho, depois a gente acerta." Foi ali que Laura conheceu Cheng (Cheng esperando por Angela, fiel, na entrada), e se tomou de entusiasmos por ele: "Mas esse chinesinho é uma coisa, um ar de anjo Gabriel que é um troço." "Não é anjo, mas não bole com ele, Laura, é tímido demais." Alguém murmurou, uma do professorado: "Falam até que ele é virgem." "Não! - brado de Laura. E implorante, para a amiga: "Ah, nega, mana, deixa ele pra mim, tu não precisas, tens o padre!" Pois a doida-doida varrida acabou saindo sozinha com Cheng. Que, dia seguinte, escabriado, falou, no primeiro intervalo de aula: "Angela, lhe peço, não quero mais sair com sua amiga, a morenona." Acrescentou baixinho, en– vergonhado: "É uma puta." Descrevia, horrorizado: "Fu– mando na rua, uma piteira deste tamanho, o braço passado no meu ombro, junto dela eu parecia uma caranguejo, meus colegas da Sorbonne me deram um trote! Você não devia morar com ela, é uma puta doida." (Os caminhões prosseguiam em baixo a marcha pesada em direção ao Halles, o elevador silenciara há algum tempo, devia ser muito tarde.) No restaurante, os quatro na mesa, o constrangimento, Cheng evitando os dois: o padre e Laura. O almoço, um fracasso. Laura, que viajaria no outro dia para Londres, implorava: "Quem me leva ao Louvre? Será possível que eu vá embora desta terra e não veja o tal de Louvre? Me digam ao menos o que tem lá, por favor." Cheng enfiou a cabeça no prato, "comigo não conte, sua doida", isto que ele está pensando. O padre perguntou, amável: "Mas a senhorita ainda não visitou o Louvre? Há quanto tempo está em Paris?" "Meses, mas vivo muito intensamente" - olhava-o, num quase desafio, sua maneira de encarar os homens todos, por detrás dos grandes óculos pretos, a boca firme e cheia de orgulho, paulista quatrocentona marxista-leninista, "você tem uma realeza que jamais possuirei, mas será que isto não te pesa, não te isola dos demais?" O padre sorria manso: "Acho que uma visita 32
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