CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

que não me viu no refeitório nem na aula das duas, e Ja se enche de cuidados, fiel Cheng, que lambara a pé do Bulevar Pasteur até à Cidade Universitária, às duas da manhã, mas como poderia ser de outra forma? Cheng na porta do hotel, teria uma faca oculta nas mãos, como num mau filme? Tinha nada. Só queixas: "Então é assim, Angela? Você e seu padre, só amizade, hem?" Cena de ciúmes de madrugada, na porta do hotel, o bulevar de– serto. "Cheng, que loucura é essa? Quem lhe deu licença de me pastorar? Você me espreitando? Com que direito?" O cambojiano, olhos acusadores: "Então essa é a pura amizade, você e esse homem, uma hora da manhã, de mãos dadas, os dois, na rua deserta." Encarou-a à luz enevoada do lampião da esquina: "Você o ama, você está é apaixonada por ele, não negue!" Como ficara ali até àquela hora, como adivinhou que viriam juntos, os dois? - Mas Cheng, você devia estar preparando provas, os exames vêm aí, devia estar estudando, no seu quarto. - Sou um fracassado, já fracassei, de antemão, não vou fazer exame nenhum, acabou-se. Mandá-lo de volta, a pé, às duas da manhã, metrô acabado, aquilo lhe doeu, mas como agir de outro jeito? - Angela, deixe-me subir, dormirei numa cadeira, num banco, no chão, mas deixe-me entrar, estou exausto. Ter de mandá-lo embora, quem sabe até nem jantou, quem sabe desde que horas nessa espreita, tocaiando-a, feito criança. Mas não era Cheng ao telefone. Era Peter, e já estava em baixo, na portaria do hotel. Assim era ele. Não podi~ sabê-la sofrendo. Por isso voltou, certeza de seu deses– pero fazia-o infeliz também. Aquele perdão! "Você, Peter, você voltou? - há quanto tempo ela não experimentava alegria tão doida? - Espere, Peter, vou me vestir, vamos sair juntos, ainda não almocei, comeremos na Alliance" (se lembrou, na Escola não, já passa da hora). Era um desejo seu: "Quero que você venha comer um dia conosco no restaurante da Aliança, Peter. Numa só mesa, quantas raças. E se a gente quer se entender e não comer sem um pio como um condenado na cela, tem de falar francês, claro. É o francês que arrebenta as barreiras das raças." Peter: "Vivo de dieta, você sabe." "Mas você pode, eles têm pratos para dieta também." Um dia comprou duas 31

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