CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
- Mas eu sou brasileira. - Então por que diabo estamos falando no raio desta língua? Mas seu francês é ótimo, estudou onde? - Na Aliança, do Rio, sou professora, estou aqui com uma bolsa. - Eu sou Laura Maria Alves Loureiro, de São Paulo, faço Pedagogia. - Não! - Angela dá um gritinho- essa é de cinema. Você é a moça que tanto procurei certa vez em São Paulo (o chinês pasmava da repentina espontaneidade do diá– logo, que língua falam agora?), mas eu a procurei tanto, você também faz jornalismo, certo? Pois é, fui lá por umas pesquisas, você é da revista "Senhor"? Certo? - Não me diga! - a outra bradava, nesses grandes gestos que os brasileiros têm quando se descobrem em terra alheia. - Já sei, você é a recomendada do Libânio, recebi todos os seus recados, mas não deu pra gente se encontrar (olhava-a um tanto desconfiada). Você não tem um pai militar? "Sim" - Angela quase se desculpava (renego meu pai, renego?). Mas a outra concluía: "Esta Paris é o diabo. Isto é a encruzilhada do mundo. Perdeu alguém? Não desespere. Se plante na esquina do Boulemiche com o St. Germain, ou no pátio da Aliança Francesa que o tal um dia lhe aparece, ora se!" Queria tanto dormir um pouco, Peter dormiria, decer– to. Amanhã na Gare do Norte, o adeus. Possível eles nunca mais se encontrarem nesta vida? Peter enxugou suas lágrimas de solidão, em troca deu-lhe outras, tormento bem maior. Se Laura voltasse para casa mais cedo nessas próximas noites, ao menos só até a dor abrandar. Pois um desespero assim não dura sempre, claro, durasse, toda gente morreria. E se eu fosse vê-lo na Holanda? Mas não é dela este pensar. Foi Laura: "Ele vai embora, o teu padre? Mas corre-lhe atrás, burra! Dá-lhe em cima. Já conheces a Holanda? Não? Então! Mais um motivo. Que te prende aqui? Ah, o noivinho, pode rebentar de repente, hein? ... Deixa, que tomo conta dele. Garanto consolá-lo pelo menos uma semana, tempo bastante para que tu mates esse fogo, mandes a maior brasa com o padreco - me diz, ele é virgem, como falavam do cambojiano? Deve ser uma coisa, namorar padre! Não padre safado, como um que topei em Roma, mas um assim menina-moça, don- 28
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