CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

com toda esta altura e pose não consigo. Talvez sou orgu– lhosa, tenho este ar suficiente, e não escondo, isso talvez os intimide. Possível que pressintam que quero é me vingar deles, dos homens todos." Laura se vingando dos homens - um amante por noite, ela afirmava (mas quando que era assim?), não estaria se punindo ela própria? Mariângela não debatia com a amiga estas coisas. Recebia as confidências, deta– lhes da vida da outra, o marido, as decepções em plena lua-de-mel: "Angela, que achas de um homem que com uma semana de casado - e casou apaixonado, o cana– lhinha - já deflorou uma menina de dezesseis anos, dentro de casa?" Laura chegasse mais cedo esta noite. Nas raras vezes em que isso acontecia, que bom, presença dela enchia o quarto. Soltava os compridos cabelos, sentava que nem uma turca, encostada ao espaldar da cama, pegava o violão: "O Vinicius está compondo um samba que é uma coisa, ainda nem tem nome; ele na letra, o Baden na música, é um negócio." Fechava os olhos: "Meu amor não vás embora, vê a vida como chora, vê que triste esta canção (ó violão merda! - era um, que um amigo de Angela lhes emprestara) ai, eu te peço não te ausentes, pois a dor que agora sentes só se esquece no perdão." Baden, Vinicius, companheiros de noite, no Feijoada: "Um dia te levo lá, o Vinicius quer te conhecer". Se reuniam no Feijoada, no cais do Hotel de Ville, depois das gravações dos dois. Ou em casa de Helena. Laura levou-a à casa de Helena, uma noite, logo após o filme do Glauber, na cinemateca do Falais de Chaillot. Conheceram-se como a maior parte dos estudantes brasileiros se conhecem em Paris. Nos corredores da Alian– ça Francesa, ou nos cafés do Boule Miche. Naquela tarde, esperava duas amigas, duas Ackermann. No banco, a seu lado, uma moça morena, sapatos baixos, capa preta sur– rada, conversava, num francês miserável, com um chinês. A outra dizia ao chim: "Ê um filme brasileiro, quase ga– nhou no Festival, você não quer ver?" Angela interrom– peu: "Mademoiselle, perdão, está falando do filme brasileiro classificado em Cannes?" "Sim - a morena se voltava, no francês ignóbil - você se interessa pelo cinema brasi– leiro? Gozado, em geral os estrangeiros não ligam muito para nossas coisas, ainda não acreditam em nós." 27

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