CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

o aviso, como para o Big-Ben vem sempre antes aquele som, e logo depois a hora, irrevogável. Peter buscava-a com os olhos, já do alto dos degraus , eh bi en, ela estava lá, sossegava, descia sem mais olhá-la. Nem se davam as mãos para o bom dia - isso faziam no início - sor– riam um velho sorriso terno, mais discreto nele, e doloroso, proferiam uma ou outra palavra, "dormiu bem?" - en– quanto havia em torno deles a multidão de estudantes estrangeiros. Deus, que dia vou enfrentar amanhã, que dia! E esta noite que não acaba, se ao menos Laura chegasse, me fazer uma companhia, mas. essa se diverte no Crayse Horse, com o metteur-en-scene italiano, "é um tanto maduro, meio coroa, mas ainda bem gostoso. Está gamadão. Se bem que não dure - a amiga encarava-a, séria - eu queria ser como tu." "Eu, menina?" "Sim, olha o cambojiano, esse Cheng, é a ti que ele é fiel, desadorado, é por ti que ele se rói, ali, escravo." (Captif, como ele dizia: "Je suis votre captif" .) Cheng, a quem Laura tanto cobiçou, uns tempos: "É verdade mesmo que esse chinesinho é virgem, como andam dizendo lá no restaurante da Aliança?" In– flamava-se toda, na curiosidade nova, implorava, quase patética: "Mana!, deixa ele pra mim!" "Mas criatura, o Cheng é livre, eu sou noiva, é um menino, somos colegas, é só." "Sim, mas gamadinho por ti." "É a solidão que faz isso, é um tímido." "Cheng, esse é um ouro" - que as colegas comentavam, e todas o queriam perto de si, res– peitador e meigo, atenções como as dele, o carinho, em nenhum outro se achava. A disputa amável à hora do almoço: "Cheng, você vem?" - pedia a italianinha, filha de um general; a bela turca, riquíssima, lhe guardava um lugar. Cheng por último as decepcionava, a todas, comia quando Angela descia. - Ele gamou por ti, afirmava Laura, analisando-a - e tu nem és bonita, é esse teu ar de criança que assumes, vez em quando, é nisso que eles vão. - Eles? eles quem? - Ora, os dominicanos exilados, o Henrique, o Pedro, Laura vivia rodeada desses marxistas. "É a primeira coisa que eles indagam, esses filhos da puta, quando me vêem: "Cadê sua am1ga, não vem?" Continuava a mirar a outra: "Tu tens um visgo que eu não entendo, que eu 26

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