CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

deu, não foi virtude nada np escrúpulo algum de pecado, talvez uma pena imensa dele, seu pobre amor debaten– do-se pela primeira vez naquele inferno, ele que tanto se protegera e se guardara, prisioneiro desse horror, devorado pelo monstro, nisto ela se cutucava, se culpava? Mas outras vozes replicavam: ele agora é mais rico - não foi o que disse quando descobriu que a amava e que sofria: " ... dói, mas é bem melhor que nada, eu agora sou mais rico." Peter. Quantos dias juntos? Paris era para ela uma nova cidade. Outras marcas que não as do velho amor, da antiga fascinação. Quantos dias juntos no efêmero verão parisiense? E isso deixará sinal para sempre. Peter de Vries. Louro e doente, assim que ele era. "Tenho uma porção de amigos padres, lhes digo sempre: ou vocês me levam para o céu, ou eu os carrego todos para o inferno. Vamos ver quem pode mais." Ele respondeu com um sorriso que ela não compreendeu bem. Tudo era uma história muito curta, incrível que isto fosse deitar raízes para toda a vida. Aquele homem louro e doente, tão diverso de Fausto, moreno, tanta força nas mãos, olhos escuros carregando um peso, uma fulguração. Fausto que agora lhe era tão remoto, ela não queria mais que ele viesse, mesmo que o outro fosse embora para nunca mais. Missionário. Que coisa. Um homem débil e enfermo, meter na cabeça seme– lhante idéia - ir para o Camerum. Débil e enfermo, eis o que se poderia dizer dele, bastava olhá-lo. Aparentava muito mais idade, os cantos da boca descaídos, dobras pelo pescoço longo e emagrecido. Havia nele entretanto por vezes uma inesperada juventude, seu modo de andar, por exemplo. Seus passos tinham real a sua idade, quando subiam os degraus, dois a dois, a encontrá-la, e chegava lá em cima esbaforido e arfante, sem ter esperado o ele– vador. Subira correndo os quatro lances, quando Angela estivera doente. Os passos, o riso, um certo riso que ela com o tempo aprendeu a descobrir nele, e que lhe acendia os olhos de um azul desmaiado. Mas isto raro, ,no geral era um pobre sorrir que, embora cheio de doçura, tinha, certas horas, sessenta anos. Depois soube porque: ele padecia em todos os dias, a toda hora, mesmo quando contava a noite em que fora com os da comunidade ver "Rose Marie", no Morgador; mesmo quando descrevia Mar– cel Marceau, ou na noite do concerto de Versalhes, seu rosto arrebatado pela música, pelo canto, ainda nesse 24

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