CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

Vou acender a luz, ele falou não, não te movas, era como um cutelo fincado no coração a dor recrudescia ao menor gesto, porque era um gesto no tempo e o tempo se fugia. (Então ela passou o dia em calma, com este vulcão no peito, é mais forte que eu, é heróica, sim, heróica, e por isso jamais a esqueceria, ela seria sempre a primeira, a única em sua vida, mais forte que ele, maior que ele, que era um padre.) Pois ela, no prolongado e terrível minuto em que abraçados misturaram suas lágrimas e seu deses– pero, tomou-lhe as mãos, firme, cega pelo pranto, mas firme, e lhe pediu, em soluços: "Dê-me a bênção!" Então Peter se levantou - ela lhe deu forças para cumprir o gesto que ele sabia ser o único a salvá-los, mas foi ela, e isso não esquece, isso a faz sagrada e eterna - levantou-se, postou-se diante dela que soluçava, tão frágil, sentada no leito, impôs-lhe a mão sobre a cabeça e falou, estrangulando o choro: ''A bênção do Senhor Todo Pode– roso desça sobre ti e permaneça contigo para sempre. Amém." Deixou-a na cama, molambo de gente, porém maior que ele, sabia, ninguém se fiasse nal]_uela fragilidade, era de ferro, de aço, de alma. Desceu tonto as escadas, felizmente era noite (onde estaria Betsabete?), e os do bar não se aper– ceberam de seu rosto em fogo, seu ar desvairado. Ela crê que sou o mais forte, nem viu, nem toma consciência de sua grandeza, pensa que eu poderia, não sabe que eu queria dar-lhe a bênção, mas não tinha forças para me arrancar àquele abraço, não sabe. Mas lhe digo, quando? É justo que lhe diga. (Disse-o na manhã seguinte, na estação, na Gare do Norte: Sem você eu não teria saído dali ontem. Não teria coragem, ficaria a noite inteira, talvez a minha vida toda. Foi você. De nós dois - e a censurei tanto - você é quem comanda, você é quem é grande. Quero que saiba disso, que eu a admiro e a amo, a bendigo por isso. Jamais a esquecerei.) - Escreva - que ela gritou - pelo amor de Deus, escreva! Soluços lhe cortavam as palavras, ruído dos passos dele sumindo nas escadas, desprezou o elevador, e tão escuro já, que Betsabete não o veja fugindo feito um criminoso, o rosto devastado pelas lágrimas. Mas Betsabete já bate com força na porta do quarto: "Angelá, Angelá, ouvre-moi!" Engolir depressa este choro, meu rosto deformado, como ocultar de seus olhos impla- 20

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