CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
oculta, algo assim de marca, uma predestinação." Concluía, ligeiramente superior: "Não é para todos." Mas hoje era ciente de seu amor. Embora ele jamais pudesse proferir certas frases - esses latinos, como se derramam. Jamais por exemplo lhe diria: "meu pequenino amor de meu cora– ção", jamais. Ângela lhe reprovava a frieza: "Você ... hein? De pedra!" "Somos assim. É nossa índole." Contava: "Meu irmão recém-casado, morando conosco, não lhes ve– mos um arroubo. Essas coisas não sabemos demonstrar, nem dizer." Nessa manhã última, a calma meio apática de Ma– riângela foi-lhe irritando, espicaçou-lhe a mágoa - então, manhã inteira se escoando, nem sequer tentara segurar– -lhe a mão, como sempre o fazia, em público (e por isso a ralhava, quantas vezes). Deu por si embebido nos olhos dela, na mesa, no bar. Ângela evitou o cafezinho que tomava, costumeiro, "para levantar o moral", Só disse: "Hoje não devo ter nervos." Olharam-se longamente, a derradeira vez que comiam juntos, na cidade amada, ou em qualquer lugar do mundo. Como isto dói, a certeza do nunca mais. Pois quando ele voltasse a Paris para receber as instruções finais, antes de partir para o Came– rum, ela não mais estaria ali, o noivo provavelmente já teria vindo, levando-a de volta para o Brasil, ou, casados, viajariam pela Europa, terrível, terrível, Mariângela mu– lher de um outro. Separaram-se já de tarde, ele deveria voltar ao con– vento e depois retornaria ao hotel, para despedir-se. Supli– car-lhe que não fosse à estação. De tardezinha, subiu. A cena. Abaixo o edifício de sua força. Pranto dos dois. Beijos cegos, que dor! "Como pode você ser tão cruel?" "Cruel, como?" Partir assim, nós com esses meses de férias, ao menos um você me daria." "Mas então você não vê que seu noivo ... eu não suportaria vê-lo, jamais poderei vê-lo." E já não se podem desgarrar, ela tomba sobre ele, que não lhe recusa mais o rosto, os lábios, que cabelos de seda ela tem, doçura, Ângela, Ângela, Peter, oh, Deus. O pranto os cega, como se pode ser infeliz a tal ponto, incrível que aquele pesar fosse dele, incrível, ela sabia que um dia aquilo se aplacava, mas em Peter um espinho ia doer sempre, a sua renúncia. Tão miseráveis os dois, naquele quarto, tão pobres de tudo, seu desvalido amor, a noite os envolvia. Ela disse: 19
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