CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

adeus. Mariângela falou uma coisa bonita, certo dia, ela ama os poetas de sua língua: "Saudoso já deste verão que vejo", copiou-lhe os versos de um tal Pessoa, poeta de Portugal, aquele sabia das coisas, o segredo de cada um. Sim, eles já punham no seu encantamento um adeus para nunca mais. A capela de Versalhes. O Olympia, a Rua Mouffetard, as manhãs do Luxemburgo, eram horas que os deuses lhes doaram - dizia Mariângela: "Não são nossas, meu pobre amor, são dos Deuses que nos empres– tam." Ele: "Isto é lindo, você é poeta?" "Mas não, seu bobo, é do Fernando Pessoa, você tem que conhecê-lo, é o maior poeta deste século." Agora se debate naquilo feito fosse uma doença. Pois o amor o tortura tanto ou mais que seu padecimento físico. Este não deixa culpa ou amargura, deste não te devo contas, Senhor, deste só mérito me cabe, mas a deliciosa e nova dor que me perturba e me põe em perigo de outra sorte, e em tumulto toda a minha vida ... Ainda bem que tudo tinha seu prazo. Não, ele não reza mais para o noivo de Angela chegar, isto não pode fazer. Como seria esse homem? Um pouco negro, talvez. Mariângela não fala mais nele. É Peter quem a persegue com per– guntas: "Você ainda o ama?" "Não sei, não sei, não me atormente." "Você ainda quer que ele venha?" "Ele vai vir, um dia vai vir, e não posso fazer nada, nós não pode– mos fazer nada." Sim, mas não devia ter subido ao seu quarto, isto não devia ver, o lugar onde ela dorme. Tudo aconteceu nem sabe como. Na primeira manhã em que não a viu, ao pé da escada, pensou o quê? Atra– sou-se, decerto. Esperou, esperou, ambulou pelo bar, pelo pátio, levou um tempo olhando uns livros no pequeno quiosque. No dia seguinte, nada, ela se foi ? sem uma palavra? Perguntou a uma do professorado: "Mademoiselle Azevedo, est-elle absente?" "Ah, Mariângela, o senhor sabe, parece que está doente, nós até vamos lá, mais tarde." Doente!, saiu tonto, era quase hora do almoço no convento, mas tomou direção oposta. Falou à senhora da portaria do hotel, que respondeu: "Oui, elle est souffrante, ça fait deux jours." Foi a camareira, uma enorme, ver um gra– nadeiro, quem o levou ao quarto: "Angelá, aqui tem um padre, você já está em artigo de morte?" Vozeirão da mulher, suas piadas, isto foi bom, dissipou em parte a emoção tamanha. "Veja, monsieur l'abbé, é uma teimosa, 16

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