CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

Sentaram-se num barzinho bem ao lado da entrada do metrô. Ele a olhava muito, um desejo de dizer-lhe: "Que vestido bonito, a cor é linda, e você também" (era de gaze azul hortênsia) , mas não o fez. No Olympia repleto, os dois juntos, a sala em sombras, as canções, o jogo de luzes, os acrobatas, e Popof. Mão de Mariângela no seu braço, na sua mão, dedos dela nos seus dedos (isto eu não devia, então não sabe que não devemos, é criança?). Mas não retira a mão (conto até dez, se não larga, me levanto, deixo-a aqui, vou-me em– bora). Não retirou. Mas disse, num esforço: "Pas de bê– tis,es." Ela se fechou, Peter percebeu-lhe os olhos úmidos, compaixão o atraiçoou, e foi ele quem lhe tomou a mão, .num gesto firme (sem muita ternura), protetor, como a uma menina (mas não é uma criança, é uma mulher, mais velha que eu, sabe o que está fazendo). Saíram correndo, meia-noite e quinze, apanhar o últi– mo metrô. No Bulevar Pasteur, ninguém, como Paris tem recan– tos de província, onde, passadas as dez, não se vê a alma de um gato. Fazia um frio, pesar do verão. Ela pediu, porém: "Vamos ficar um pouco aqui, esta noite não se repetirá nunca mais, eu sei, você já está arrependido." Sen– taram-se num banco debaixo dos castanheiros, ela só tinha uma echarpe, chegou-se bem a ele, que frio, pôs a cabeça no seu ombro, Peter voltou o rosto com raiva da doçura que o invadia. Angela: "Você não me ama nem um tiqui– nho assim? Não faz mal não." Ele se voltou com violência, tremiam-lhe os lábios: "Vou lhe dizer uma coisa. Será a primeira e a última vez que falo nisso, jamais voltarei a este assunto. Faço-o porque tenho pena de você. . . e porque é verdade. Eu a amo. E isto me irrita. Estou amoroso de você, e não queria estar. Lutei e luto. Agora você já sabe. Mas não fale mais nisso, nunca mais. Senão terei de deixá-la, serei obrigado a não tornar a vê-la, en– tendeu?" Ela fechou os olhos. Peter não esquecerá esse rosto branco à luz do lampião, debaixo dos castanheiros do Bule– var Pasteur. "Merci, merci", ela dizia baixinho, e lhe cobria a mão de beijos, seu rosto era como a asa de um pássaro em suas mãos. Ele reagiu: "Bom, agora vamos, já não terei mais metrô", o último trem passara estremecendo o chão debaixo deles, ela se afligiu, Peter nunca tinha 14

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0