CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
dois garotos, um menino, uma menina, muito bem vesti– dinhos e impossíveis, os dois - a mãe também inquie– tíssima, num vaivém sem descanso, de vez em quando diz-lhes algo (língua mais esdrúxula), deve ser "se aquie– tem, capirotos, me esperem aqui", enquanto vai de novo ao bureau, agora fala inglês com a moça do balcão. O avião. É bem aquele lá. Aterrissa. As gentes come– çam a descer, quanta gente, lotado, mas Ângela não vê Fausto, não o vê, e pensa, num relâmpago: se não veio!, se à última hora alguma coisa o impediu, no derradeiro mi– nuto, é isso, deve ser isso, procura bem, procura, entre os outros, entre todos, não o vê, não veio! Mas Fausto já · está bem pertinho - ele a vira primeiro. Deus, como ele emagreceu, e tão queimado, com aquelas sobrancelhas unidas, "meu mouro, tu és um mli)uro, teu avô possuiu um serralha", que ela lhe dizia, em que tempos?, quando?, e Fausto ria um riso de sol, sempre se contendo, o rosto aclarava a severidade das sobrancelhas tenebrosas, tão cerradas. Ei-lo sorrindo, fazendo-lhe sinais com a mão morena, mas como bronzeou, deve ter trabalhado demais ao sol, nas demarcações, nunca esteve tão escuro, como é negro em comparação com o outro, e sempre esse ar de quem jamais diz tudo, um dos seus encantos, belo homem, verdade, mais belo que Peter, sim (ela responde a seus acenos), é mais belo que o outro, o sempre doente, mas é a ele quem amo, não valho nada, é ao outro que amo - e este aqui sofreu, passou tormentos, mas nada disso me comove, não me diz absolutamente nada, estou longe, longe dele. Fausto, que horror, não te amo mais, nem um pouco, não te amo mais. Foi para a sala de espera e se pôs la, em frente ao serviço de controle de passaportes. Fausto está bem pró– ximo, somente alguns passos os separam. Abraçam-se, ela cai nos seus braços, e os soluços lhe vêm, de súbito, num desespero - as pessoas os olham espantadas, ele se do.: mina, está por demais emocionado, mas se domina, e é um tanto paternal que lhe diz: "Ângela, minha filha, não chore assim, não chore mais, acabou-se tudo, o pesadelo acabou, estou aqui, Ângela, escute, estou aqui, cheguei!" Ela continuava soluçando sem querer remédio, sem aceitar uma só daquelas palavras, não quero, não quero ser conso– lada, Fausto, horror, e tu me beijas, teu sofrimento, teu dese~pero, tudo isso que me importa, tua vinda não me 166
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