CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).

em te deixar partir naquela desolação, vem redimir sua dureza. Recebe o que te concede, e te dá por satisfeita. Acabaria perdendo-o, de qualquer forma. Mas nada im– porta agora. Só a carta vale. E não era a de um conde– nado. Perdera o tom de presságio das outras. Acreditaria num milagre? A expectativa de voltar a vê-la teria tal poder, afastar o pensamento da morte? A morte, até então presente entre os dois. Mas a idéia da morte é peso demais para uma criatura. Ele oscilava, em alternativas de depressão e confiança. Esse era o Peter que ela conhecera. Porém o da última carta não demonstra o mínimo temor. Um homem são, pleno de vitalidade, palavras de vida, amor, mundos novos para os dois. Só uma tal perspectiva, quem sabe, tem o poder de afastar uma antiga, familiar assombração, a ameaça perene, "vou morrer, morro, em cinco anos, no máximo." Só a hipótese da felicidade tem esse poder, fazer recuar esses fantasmas. Saiu da casa de Victor Hugo, continua a caminhar, com pouco está no quarteirão hebraico. Andou, andou, viu rabinos, casas com o signo de Salomão, restaurantes vários, minúsculos restaurantes. O cheiro bom do cuscus fê-la entrar num, na Rua des Rosiers. Almoçou cuscus sortido. Mas ainda era cedo demais, duas horas, que faço? Tomou um ônibus em frente à Igreja de Santo Antônio, desce, atravessa o Sena, em direção ao São Michel, saltou um pouco antes da Sorbonne fechada. Uma mulher idosa, num banco da pracinha em frente à Universidade. Angela disse: "Com licença", e sentou-se a seu lado. A velha tricotava, e era bem velha: "Espero que dê a meia hora, para ir ao um cinema." Seria um dos cines da Rua Cham– pollion. Vou também. Que filme? Pouco importa, quero é encher esta tarde, não voltar senão quando Bete se tenha ido, não me deparar com seu riso de remoques, exulta a cada dia que passa, e uma palavra de Peter não chega. Voltou já noitinha. Um cansaço bom empurra-a para o quarto, para a cama (mais tarde desço, tomo um -leite, e pronto). Sobe. O quarto. . . aberto, e Betsabete. - Tu, ainda? A esta hora? - Sim, minha velha. Hoje eu só iria depois que tu chegasses - os olhos eram só malícia, as mãos atrás das costas: "Adivinha o que tenho para ti." Bete! - o grito (era o telegrama), o telegrama, Bete! 160

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