CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
aclarado por um novo sol. Novas cores nos jardins. Vagava horas e horas sozinha pelos cais do Sena, marchava, mar– chava, falando só, tonta da espera, das promessas daquela espera. Decorreu a primeira semana. Nada. Começou a es– morecer. E escrevia, escrevia. Quase todas as manhãs atravessava o bulevar e ia pôr no correio uma carta para Deurne. Repetia-lhe as mesmas coisas: "Claro, meu bem, que o espero, não arredo pé daqui, olhe, já consultei os programas de todos os espetáculos, nosso bulevar está tranqüilo, a cidade numa calma que até assusta, e o sol, o sol. . . Venha logo, logo, antes que o verão se apague." Mas não chegou mais nada. Era já o tempo da partida para a Africa. Precisamente fim do verão, fim de agosto. Virá no outono? No outono, segundo seus cálculos, já estaria no Camerum. Não sabe o que pensar, às vezes fica na janela, espiando os castanheiros, perplexa, estamos perdendo os melhores dias, um ceticismo se mescla à certeza da felicidade quase iminente. A cada dia que passa sem uma notícia dele, o ar de triunfo de Bete é mais seguro. Sem dizer palavra, entra no quarto cantarolando, a frase escondida: "Não disse? não disse? Aquele nunca me enganou." Mas espera sempre, ele não se desmentiu. Ao voltar das andanças pela cidade, em fim de tarde, não consegue reprimir a pergunta: "Tem telegrama, Bete?" "Quê!" - os olhos num desprezo, conclui: "Puisque c'est de la merde", aquele pode lá mudar, tu te enganas porque queres." Mas a carta, criatura (não poder mostrar-lhe a carta, fala do meu corpo, a outra veria que se pôs nua diante dele), a carta dele é uma ternura ... - Mostra aqui, só eu vendo. Mostra aqui. - Não sei onde a pus. - Estás vendo? Tu te crias alucinações, acabas doida. Conheço essas cartas, não é a mim que iludes. (Mas essa é de um outro Peter que nem eu nem tu sabemos - o que estive a ponto de desvendar, o que não se podia arrancar de mim na véspera da partida, aqui, neste quarto - esse é que me escreve agora, esse é quem virá, não te posso dizer, e é pena) . O melhor era sair, sair, andar até a exaustão, andar, andar. 158
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