CELINA, Lindanor. Breve sempre. Belém, PA: Governo do Estado do Pará, 1973. 167 p. ISBN (broch.).
,. amor, espere-me, vou me desembaraçar desses escoteiros, procurarei um meio, vou achar alguém que me substitua, um outro padre para ficar com eles, irei ao seu encontro. Que louco fui, Angela." Meu Deus, quero ler esta carta em calma, e não assim despedaçada, doida, senta a cabeça, mas antes, passa o ferrolho na porta, que Bete não entre agora, ninguém, ninguém mais, ela e a carta, no mundo. Fausto, seu pai, todos eram sombras, só a carta existia. Que lhe dizia? Desmaio? Que desmaio é esse? Primeiro narrava da chegada à casa, seu silêncio, seu mutismo, a mãe em ânsias, e, vendo-lhe o rosto desfeito, ele quase morto, da noite a bem dizer em claro, em an– danças, sofrimentos, lutas, "o que sofri, Angela, o que sofri, nesses dois dias (e eu, e eu?)", só sabia dizer que nem comer pôde, caiu na cama feito uma pedra, julga– ram-no desmaiado, dormiu mais de doze horas de uma assentada, a mãe transtornada, quando ele acordou, as– sombrado: onde estou? - sua mãe o interrogava, com olhos desmesurados (que te fizeram naquela cidade, que foi?) . Mas não falou. Sentiu-o mudado, porém todos lhe respeitaram o silêncio : "Eles sabem que atravesso uma crise, minha mãe vive de joelhos rezando por mim, mas não me diz uma palavra, uma pergunta não faz. Agora, terei de dizer-lhes que volto a Paris, para que, nem sei, tenho de voltar, achar um motivo, Angela me perdoe, vou p_ara você, espere-me, será que ainda terei perdão? Angela, te amo, te amo, sei hoje que não me poderia resignar a não vê-la nunca mais. É preciso que nos reencontremos, que eu lhe peça perdão da minha dureza, da minha into– lerânc:,:1. Que louco eu estava, meu bem." Chama-a "meu bem", Angela chora, ri, tem vontade de bradar para os castanheiros do bulevar, bradar: "Ele vem, ele vem, ce n'est pas de la merde, já que ele vem, Bete!" " . . .naquela noite, espero que você compreenda, eu não queria amá-la, total, era o que havíamos combinado, hoje vejo, foi um erro, o amor não é um mal, só por ele valemos alguma coisa neste mundo. Conheci o amor e o desprezei, mas eu não sabia, não sabia. Seu corpo, tenho diante de mim a revelação, votre corps, quelle beauté. Angela eu vou, me espere, telegrafarei, não saia de Paris, não vá a parte alguma, vou chegar, um dia destes, vou chegar, desde que possa, chego, meu amor, que medo de perdê-la para sempre, seremos felizes de novo em nossa amada Paris, Paris da 156
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